maio 29, 2014

Páre, Escute, Olhe

Todos nós temos as nossas memórias de infância; em forma de cores, sabores, cheiros e sons. Lembro-me de uma, particularmente ligada ao Verão: "ta-dum ta-dum". Era o barulho que o comboio que me levava até à praia fazia (eu sei que é difícil exprimir um som por palavras, mas era assim que me soava na altura, e ainda soa). E lembro-me do resto: de eu, mais a minha família, apanharmos autocarro até à estação do Cais do Sodré e depois o comboio da CP que percorre a linha de Cascais. Descíamos sempre em Santo Amaro de Oeiras, em direcção à praia, não sem antes passarmos por uma banquinha que vendia deliciosas bolas-de-berlim repletas de creme (era da praxe comprarmos as ditas, mesmo antes de chegar ao areal) e ainda por uma mercearia (que já não existe actualmente) na qual nos abastecíamos com o farnel necessário para o resto do dia (e onde não poderia faltar, a meu ver, o Bollycao e as batatas fritas).

Lembro-me também de passar horas a fio na água, à beira-mar, de travar amizade com outras meninas que por ali brincavam, a fazer castelos na areia. Na hora do regresso, depois de um grande dia, voltávamos a apanhar o comboio e, embora eu habitualmente adormecesse, com aquela moleza típica de quem passou um dia na praia, o som do comboio fazia-se ouvir e ecoava na minha cabeça: "ta-dum ta-dum"... "ta-dum ta-dum"...

É uma boa recordação dos meus tempos de criança, naquela fase em que não nos devemos importar com nada, a não ser com os trabalhos escolares e evitar fazer asneiras para não levar com uma repreensão.

Obviamente que agora, passados tantos anos, coisas para me importar é coisa que não me falta. E até mesmo esse barulho que oiço quando vejo um comboio, ou quando viajo num, tem uma associação diferente. Principalmente, quando viajo num, e quando esse não tem o mar imenso como destino. Torna-se num misto de alegria, e ao mesmo tempo de tristeza. É uma partida que se transforma em chegada e vice-versa. Quando eu era miúda, era engraçado ouvir o "ta-dum ta-dum" do comboio porque ia para a praia, e também dava piada ouvi-lo no regresso, já ensonada, porque embora ficasse triste por ter de ir embora para casa, contentava-me com o facto de ter tido um bom dia de sol e brincadeiras, e de ter à espera um belo banho, jantar e sono reconfortantes.

Agora nesta fase em que há muitas coisas com as quais me devo importar, longínquas dos TPC e de me manter longe de sermões maternais, o "ta-dum ta-dum" de ida ainda me consegue arrancar um sorriso, ao passo que o "ta-dum ta-dum" da volta me deixa com um amargo de boca, que nem a tal suculenta bola-de-berlim veraneante me consegue tirar. Perduram banhos, jantares e sonos, claro - mas o reconforto é um pouco estranho. Quase que desejo ficar eternamente a brincar na praia, gozando de um infinito Verão, e de só querer que fique registado o "ta-dum ta-dum" da ida, a ecoar na minha cabeça. Porque fico sem grande vontade de voltar. Ir e voltar, ir e voltar, ir e voltar, nesta fase, é uma chatice. Quando a única coisa que me importa é ficar.

maio 21, 2014

Preciso De Ti

Não te vou andar a dizer que preciso de ti como o ar que respiro, ainda preciso mais de ti do que o ar, embora não possa viver sem respirar. O oxigénio faz falta, ainda mais para mim que sofro de asma, só que... Lá está; tu vens e fazes um papel melhor do que aquele que o oxigénio faz. Esse elemento tão essencial à vida ainda não consegue pôr-me a rir à gargalhada, e nem a propósito - preciso de ti para me rir das tuas piadas e conferir uma melhor disposição aos meus dias. Preciso de ti para saber quais são os melhores lugares para se estar e passar o tempo, mesmo que não saiamos do lugar onde estamos, e constato que todos os lugares são bons, desde que tu lá estejas. Preciso de ti para saber que há um motivo para me levantar se eu cair, sopro os meus joelhos esfolados, lavo a cara e sigo, ainda que eles me ardam. Nunca ouviste dizer que tudo o que arde cura? Preciso de ti para te ouvir tocar piano, quero lá saber se falta o Fá no teclado, a gente inventa e mete outra nota e eu nem vou notar nada... A melodia vai sair tão bem quanto os meus ouvidos a vão querer ouvir. Preciso de ti para poder cheirar um perfume sem ser preciso despejá-lo naquelas tiras de papel que há nas perfumarias, isso é tão enfadonho e impessoal... Preciso de ti pessoalmente, por telefone, fax, e-mail e carta registada sem aviso de recepção. Eu quero receber-te sempre mesmo sem aviso, também foi sem avisar que bateste à minha porta e eu te deixei entrar... Aquela porta que fica no lado mais esquerdo do peito. Preciso de ti para mo encheres de orgulho quando me apercebo que é tão bom precisar de ti. E preciso ainda que me faças um favor: que me deixes continuar a precisar de alguém... E que esse alguém seja sempre a tua pessoa.

maio 05, 2014

Quadra das Luzes

Vamos ser felizes à luz das velas
À luz da madrugada
Das luzes amarelas
Ou da lua prateada.