dezembro 01, 2013

Feito!

"Não faças nada".

Esta frase costumava sair-te da boca na constância das nossas conversas. À partida, não seria necessária a minha intervenção em certas e determinadas situações. Em nome da tua capacidade de resolução, do teu espírito de estratega, em nome de toda a tua maturidade e sensatez. Assim me tranquilizavas. Assim me tirarias um peso que não era suposto eu carregar sobre os meus ombros.

E eu, respeitando-te, obedecia. Ou pelo menos, tentava... Não respeitando, no fundo, uma inércia forçada. Não querendo obedecer a uma imposta impotência, o impávido e sereno - e (porque não dizê-lo?) incompreensível - cruzar de braços que se faz perante o abalo das nossas estruturas, que levamos tanto tempo a edificar. É justamente aí que algo deve ser feito.

E eu, amando-te, não queria que as tuas desabassem por completo. Não só por ti, mas também por ti. Mesmo que tu, valentemente, me dissesses "não faças nada". Mesmo que tu próprio te voluntariasses a vê-las cair, embora eu julgasse que tal seria pouco provável de acontecer.

Pois bem... Resigno-me então, e não farei nada. Isto porque antes de tu, num acto de quase súplica, me pedires tal coisa, já eu tinha feito todas as coisas. Confesso: fiz, fiz e fiz. Eu fiz o que tinha a fazer.

Lamento pois informar-te, mas já vens tarde. Antes mesmo de te mostrares, já eu te tinha visto, tal como alguém que avista outro alguém seu igual no meio de uma multidão.

Para o teu pedaço de escuridão, eu descortinei uma réstia de luz. Para as amarras da tua dura realidade, eu forjei uma lâmina afiada composta de sonhos. Sonhei-te igualmente meu, sonhei-me tua, sonhei-nos nossos. Criei formas de purificar as tuas torrentes internas de sobressaltos e dúvidas. Quis afugentar os teus fantasmas. Considerei-te minha parte antes de te apartares. Consegui percepcionar o horizonte tão próximo enquanto te debatias com um barco à deriva.

Desculpa, mas fi-lo. É justamente quando se ama que algo deve ser feito. E eu, amando-te, voltaria a fazer tudo de novo. Caso contrário, faria nada. Mas nesse caso, nem estaríamos cá para fazermos o que quer que fosse. Felizmente, cá estamos. Cá estive, cá estou, e cá estarei. A fazer aquilo que seja preciso para te fazer feliz.

novembro 12, 2013

Memorando

1 - Amo-te de forma genuína e verdadeira;
2 - És uma pessoa especial e com grande valor, apesar dos defeitos e de às vezes me tirares do sério;
3 - As más fases não te tiram o dom de teres mudado a minha vida para melhor;
4 - Acredito que tu e eu temos futuro;
5 - Quero preservar-te e ter-te para mim, porque não há ninguém assim tão único;
6 - Se nos mantivermos bem, fortes e unidos, não teremos necessidade de sair do "castelo" (falo por mim);
7 - Temos uma química maravilhosa da qual não quero abdicar nem trocar por outra;
8 - Eu não pertenço às redes sociais nem ao mundo; eu pertenço-te a ti;
9 - A última das minhas intenções para contigo é magoar-te, fazer-te sofrer ou fazer-te sentir inferior;
10 - Se pensares que tudo isto que acabaste de ler é uma grande treta, volta ao ponto 1 até te convenceres que é verdade!

novembro 04, 2013

Madrugada

Madrugada. Uma penumbra invade a sala de estar. O sol ainda não apareceu. Está para chegar. Entretanto, estou ali sozinha, a ser brindada com um céu mesclado de azul-escuro e arroxeado, apenas interrompido por um tímido clarão branco que denuncia o início de um novo dia. Uma estrela ou outra continua a brilhar lá no alto. A cidade, que vejo através da enorme janela e que um dia chamei de Cidade do Tempo Eterno, desperta devagarinho, entre as silhuetas luminosas dos edifícios. Não tenho sono - por enquanto - e ainda bem. Não podia perder este espectáculo. Esta benção de saber que é mais um dia, que estou viva. E sobretudo, esta benção de saber que te tenho. Não estás ali comigo... Ficaste deitado, no quarto ao fundo. Do qual eu saí, mas ao qual vou voltar. É que entretanto, um sono ligeiro começa a tomar conta de mim. De facto, ainda é muito cedo e na verdade, não há pressa de se chegar a lado nenhum. Volto então para a cama onde dormes. Onde dormimos. De súbito, pressentes que ali estou e abres preguiçosamente os olhos. Só um bocadinho, porém o suficiente para eu lhes captar o brilho. Olhas ensonado para mim, eu olho para ti, naquela cumplicidade de sabermos que aquilo não é um sonho. Sorris docemente, eu sorrio de volta... E aninho-me no calor do teu corpo. Sabe tão bem. Voltas a fechar os olhos, eu também fecho os meus e ali ficamos. Não há pressas de nada. O dia que está para vir pode esperar.

outubro 25, 2013

Assim Seja Também

É muito bonito dizê-lo, mas ainda é mais bonito senti-lo. Descrentes o maldizem, medrosos não o conhecem, os austeros de espírito o desvalorizam. Eu, contudo, o vivo, contra todas as correntes. E senti-lo não é só bonito; é provar o sal da vida, que por sua vez funciona como mel para a alma...

Assim sendo, que eu to possa dizer, sempre que me apeteça, sempre que me recorde que a tua existência o justifica plenamente. Mais do que dizer-to, que eu tenha capacidade de o demonstrar todos os dias, e através do mais imperceptível dos gestos e dos pensamentos que vou revelando, pois sou um livro aberto, e tu és, neste momento, o mais belo capítulo que eu poderia redigir. Um capítulo que há-de ter inúmeras linhas, cheias de verdade e beleza, dignas daqueles romances que enchem estantes um pouco por toda a parte.

Que ele esteja presente no chão que pisamos, nas ideias que trocamos, nos milhentos olhares cúmplices e silenciosos que direccionemos um ao outro. Que esteja presente no presente e no futuro, que é o que realmente importa. Que te torne importante, mesmo que tu já o sejas. E se estiver presente no passado, que nos traga apenas as recordações mais doces que nos trouxeram para o que somos agora.

Que seja sempre sério e verdadeiro. Que eu o possa alimentar em cada instante que passa, como se no fundo esta fosse a minha única missão. Que ele cresça, que floresça e frutifique em abundância, sem ervas daninhas... Que tu o possas ver esse crescimento, entendê-lo e confirmá-lo dentro de ti. Que ele cresça tanto que não me caiba mais no peito, que expluda, que alastre e dê cabo de mim, de ti e de nós, para que nos possamos renovar nele continuamente... Eu quero, eu quero e eu quero. Eu quero-te, eu quero-te e eu quero-te.

Porque eu amo-te.

outubro 23, 2013

Piano

Sento-me perante ti. Percorro-te lentamente com o meu olhar. Antigo, possante, de sábia calma, fresco, um tanto ou quanto frágil, frenesi ocultado. Reúnes tudo. Notas agudas e graves repartem-se pelas teclas brancas, pontuadas pelos meios tons que as teclas pretas revelam pelo meio. Tudo ao dispor para uma sinfonia completa. Vai ser desafiante; ninguém me ensinou a tocar. Ainda assim, me familiarizo com elas. Como se na verdade tivesse tido uma preparação prévia, nem que tivesse sido em sonhos; consta que é assim que os génios da música compõem. Não pretendo ser um génio. Apenas quero pôr em prática aquilo que posso saber. Ou até sei.

Estico os meus dedos delgados. Toco-te. Toco-te ao de leve, devagar. O primeiro som que me sai é grave, gutural, pouco trabalhado, no fundo. Não me assusto, nem desisto. São só as primeiras teclas. Uma a uma, vou-te explorando, sem pressas, como se não te quisesse corromper. Quero-te aprender, apenas... Dá-me tempo. As primeiras notas são uma espécie de choro... De drama... São tristes. Ora, ainda estou no princípio. Ainda me falta percorrer as outras, e são tantas. Já para não falar nos meios tons, que me despertam curiosidade. Continuo a tocar-te... Experimento-os. Forço naturalmente o equilíbrio que deve haver entre as notas.

Pausadamente, lá vou passando para as mais agudas... São de facto mais alegres, mais leves... Os meus dedos pronunciam-se: já te conheço tão bem. E só comecei a tocar-te há pouco. Confesso que eles não estavam propriamente treinados, mas isso era aquilo que eu pensava que sabia... Lá no fundo, eu sabia. Que podia extrair de ti uma tímida junção de Dós e Sóis, de Lás e Sis. Atabalhoada, eu sei... O típico início, afinal, de todas as coisas perfeitas. Quantas e quantas pautas terão sido rasgadas neste mundo antes de o seu fruto brotar para o nosso deleite auditivo?

Repito: não quero ser um génio da música. Não quero mostrar nada para plateia alguma. Não me quero sequer convencer que possa existir outras teclas pretas e brancas. O que eu quero é continuar a tocar-te. A ouvir os sons que produzes. A equilibrar com mestria os teus agudos e graves. Acredito que todas as peças que estão por ser criadas serão magistrais, sem haver mais ninguém na orquestra. E tudo isso com todo aquele prazer que obtive da primeira vez que me sentei perante ti e te percorri com o olhar.

outubro 18, 2013

Casa

Nada me é estranho. Nada me causa desconforto. Nada ali me faz querer não pertencer. O chão de ocre que se distende em direcção à luz imensa, que o inunda, que se espelha para todo o restante espaço... Para lá da luz, um outro espelho, elementar, emoldurado por tons de terra e alvura, pacatos. A ponte de metal lá ao fundo, de aspecto austero e imponente, todavia não me metendo medo, pois tantas vezes a atravessei... A imensidão do céu azul, uma lufada de ar fresco e novo na alma. Sustenho a respiração. Piso o chão, sem deixar de contemplar tudo aquilo. Naquele chão onde sei que hei-de dançar, deambulear, amar, quem sabe deitar-me nele e fundir-me no espelho. Ali ao lado está um cavalete... Nem de propósito. O pretexto perfeito para imortalizar em linho as sensações que absorvo. Uma ou outra gaivota me sobrevoa. Tão longe dali, e tão perto. A grande mesa de vidro aguarda por sensata luxúria... A lareira sequiosa de não dar a mais absoluta trégua a noites de chuva e frio. Se me voltar para o mesmo lugar de onde vim, dou de caras com um canto mais recôndito, mas igualmente merecedor de luz, de espelhos, de céu azul. De abraços, de risos, de janelas abertas nas manhãs domingueiras e solarengas. De cheiros de velas, de vapor de água quente, de livros, de momentos relaxantes, de arte em todas as suas formas. De crenças de que o caminho realmente é para a frente. E novamente volto ao chão de ocre, e naquele momento sinto os espaços como unos. Não me são estranhos ou desconfortáveis. Eu já ali estive, sem nunca ter estado.

Bem-vinda a casa.

outubro 16, 2013

À Letra

És muito para mim. O normal seria arranjar um adjectivo para pôr no meio e tornar esta frase mais completa e com mais sentido. Em vez de adjectivos, poderia inclusive encontrar outros termos, ou comparações metafóricas, fazendo a vontade à razão e deixando que ela se tornasse a tradutora de um coração que fala aquela tal língua que muitos estudam mas poucos entendem. Poderia falar de coisas complicadamente simples tais como o elevado grau de apetecibilidade denunciado pela tua forma esteticamente interessante e intelectualmente estimulante de ser. E neste caso, o coração franziria o sobrolho, como quem acha que o intérprete anda ali a meter os pés pelas mãos, quando afinal o que ele quer é transmitir o que é dito de uma maneira mais eloquente e prestigiada. Não compliquemos de facto as coisas. És muito para mim, e quero que sejas ainda mais. Sem adjectivos, porque na verdade eles se perderam na tal tradução. Só quero que sejas muito mais esse muito, que o coração discurse sem parar e tanto e com tanto de si que a razão desista de se intrometer e se retire do outro palanque, por não haver, na verdade, palavras que valham. E na verdade, eu quero que esse muito seja ainda mais muito e ainda melhor. E quero não conseguir explicá-lo nunca. Desde quando é que se explica o que não se pode entender?

Quero só que sejas muito para mim. Como já o és, literalmente.

outubro 15, 2013

Flash

Pensamento: tu deitado ao meu lado na cama. Luz do candeeiro a delinear-te o perfil. Estás silencioso e contemplativo. Depois viras a cara para mim e olhas-me com esses olhos de mel. Ficas ali a fitar-me por uns instantes...

E é "só" isto.

outubro 10, 2013

Fisiologia

És mesmo um homem bonito. Fotos que já me mostraste comprovam. Tens aquela beleza madura e serena mas ao mesmo tempo arisca... Os teus olhos mesclados são demais, depois tens umas pestanas longas que tornam o teu olhar doce e meiguinho, gosto do teu queixo, nariz e sobrancelhas, todos eles com personalidade, tens um sorriso maroto, já para não falar da tua pele fina mas super-macia e quente, e de todas as linhas que constroem o teu peito, abdominais, costas... Não ligo muito a rabos masculinos mas tens um "pedaço" de rabo, pequeno e discreto mas musculado... A pernoca também é boa, magra mas atlética, o formato do teu cabelo "está lá"... E se juntares tudo isto ao teu interior... Ainda te perguntarás porque te amo tanto?...

outubro 04, 2013

Agenda Perpétua

Agarro na minha agenda. Capa discreta, formato elegante, páginas muito brancas, com as horas, os dias, as semanas e os meses e as fases da Lua e tudo o que demais houver para fazer da agenda uma agenda. Folheio-a. Brotam números, muitos números. Estou a ver os que correspondem ao dia de amanhã. Consulto o que tenho apontado lá. Hum, imensas coisas... Apercebo-me que de facto sou uma rapariga muito ocupada. Ora, de manhã... Acordar contigo no meu pensamento... Perdurá-lo pela manhã fora, enquanto me visto, me arranjo, enquanto tomo o pequeno-almoço. A seguir, desejar-te um bom dia, tão bom quanto tornas o meu. Desejar estar contigo, nem que fosse só para te olhar em silêncio. Invejar a água que te deve estar a percorrer o corpo naquele preciso momento. Invejar também a chávena que levas aos lábios e a colcha à qual te aninhaste na noite anterior. Depois, é altura de ir trabalhar e de ir-me lembrando de ti... E depois da pausa para o almoço, continuar a lembrar e... Espera, na pausa do almoço há uma nota aqui escrita que diz que tenho que me lembrar de ti também. A seguir ao trabalho, o que é que eu tenho para fazer? Hum, ir ao ginásio... Pois... Um mal necessário. Uma hora de treino, ou um pouco menos. A agenda recorda-me que nessa altura, enquanto o meu físico se exercita, o meu psicológico deve devanear pelos dias em que partilhámos o sol, a lua, as calçadas, as pedras frias dos monumentos, a loiça de pratos e copos e talheres, aquelas coisas que aos olhos dos comuns mortais não significam nada. Os dias em que te vi, ouvi, cheirei, degustei e toquei. A seguir ao treino é altura de ir para casa, diz a agenda. E aí as tarefas também não são muito diferentes. Para além de jantar e preparar as coisas para o dia seguinte, há que ler-te, ouvir-te, sentir-te à minha maneira, e continuar a invejar as coisas que provavelmente leste e ouviste enquanto o dia decorreu. E quando me for deitar, continuar a ter-te no pensamento para que na manhã seguinte ainda estejas lá. Pronto, está feito. Basicamente é isto. E se for a ler o dia seguinte, todas estas notas lá estarão escritas, com toda a certeza.

A minha agenda, contudo, não é perfeita - tal como eu. E ela ainda desconhece notas que, por mim, escrevia já neste instante. Do género, acordar contigo ao meu lado, e não só naquele dia, mas todos os dias. Fazer parte da água, da chávena e da colcha. Continuar a partilhar contigo o sol, a lua, as calçadas, as pedras, as loiças e tudo o resto. Que o ver-te, ouvir-te, cheirar-te, degustar-te e tocar-te permaneça em todas as folhas. Continuar a ler-te quando a noite chega, e ouvir-te e sentir-te, mas desta vez à nossa maneira, visto que continuarás a fazer o mesmo comigo... E quando me deitar, verificar que te deitas também, ao meu lado, e por isso não te teria só no meu pensamento, mas no meu corpo e no meu espírito.

E é por tudo isto que na verdade não tenho agenda nenhuma. Na verdade, está tudo apontado cá dentro de mim. Uma espécie de agenda interior... E perpétua. Daquelas que não tem horas ou dias, nem semanas, nem meses nem o raio das fases da Lua. Apenas te têm a ti. E a noção de que temos muito para fazer. Temos.

setembro 29, 2013

Reencontro

Recebe-me bem, com tranquilidade e serenidade, e sobretudo com todo o amor que tiveres aí dentro. Abraça-me com força, sente o meu corpo guardado para ti, beija-me intensamente... No caminho até casa fala-me das tuas férias, de coisas boas, do nosso futuro. Esquece o passado, as ironias e as "pancas". Ao chegarmos a casa leva-me para o quarto, despe-me devagar, aprecia-me, toca-me, sou tua... Relaxa-me, sem pressões nem pressas. Lembra-te da altura em que desejavas tudo isso quando ainda não me tinhas. Delicia-te comigo e leva-me às nuvens. Não te sintas frustrado com nada. Depois satisfaz-te tu em mim, deita-te a meu lado quando desceres à Terra, olha-me nos olhos... Deixa-me olhar nos teus e, mesmo que a minha boca não diga nada, eu vou-te dizer que te amo...

setembro 28, 2013

setembro 26, 2013

Teologia

- Olha, eu vou-te dizer uma coisa... Posso?

- Sim, claro...

- Eu acho-te um homem incrível e gostava muito que partilhasses a tua vida comigo... Não te sei dizer se ela será curta ou comprida, só Deus sabe, não é? Mas pronto, eu julgo que Ele até tem planeada para ti uma vida longa, e seria interessante se eu a pudesse acompanhar de perto e confirmar que realmente Deus existe... Aliás, basta saber que tu existes para realmente confirmar isso... Mas vou fazer de conta que não sei... Só para ter o prazer de saber que tu existes...

setembro 23, 2013

O Objectivo

Ela perguntou-lhe:

- Quais são os teus objectivos na vida?

Ele pensou um pouco e respondeu:

- Dar a volta ao Mundo... Com um "backpack".

Revelou simplicidade, de facto. Ela questionou-se interiormente se não seria simplicidade a mais. E ele adivinhou-lhe os pensamentos.

- Pensavas que algum objectivo pudesse passar por ti?

- Não propriamente - respondeu ela. Não seria lógico nesta fase, acrescentou mentalmente.

E permitiu-se a si própria ficar tranquila. É que, mais cedo ou mais tarde, ele regressaria a casa.

setembro 22, 2013

Perdura

Beatas de cigarro descansam num cinzeiro improvisado aqui ao lado. O meu olhar descansa no raio de sol vespertino que trespassa a cortina. Segundo dia outonal (nem parece), o primeiro de muitos? Em redor do meu nariz, perduras. Angustia-me pensar que só me falta mais um par de dias para fazer-te perdurar nele, e depois, puf, só daqui a um tempo voltarás e só daqui a um tempo voltarei a assimilar-te através dos meus sentidos. Estive a dormir. Estiveste a dormir. Ainda estás. Eu aqui, com a cabeça preenchida de tudo e ao mesmo tempo de nada. Só quero é que perdures. No meu nariz, na minha boca, nos meus olhos iluminados pelo raio que ainda trespassa a cortina. Desejo secretamente que acordes, que enchas novamente o cinzeiro à tua vontade, e que me permitas olhar então para dentro dos teus, mais uma vez. Tenho paz e plenitude para ir lá buscar. Deixa-a à solta.

setembro 14, 2013

Pertences-me

Quando ponho a tua cara entre as minhas mãos, a agarro com uma força suave e olho bem para dentro dos teus olhos (de preferência sem óculos porque até vejo bem ao perto)... Vejo o significado de tudo, e até mesmo lá ao longe. Uma voz interior, que tem o meu timbre, fala para dentro deles sem tu ouvires. E eles brilham muito ao ouvi-la, e esse brilho volta para mim e me inunda toda por dentro. Ao agarrar-te na cara é como se te estivesse a dizer "tu pertences-me, és um bocado do meu corpo", e é como se te quisesse conservar e evitar que te extingas... Não te apartas de mim... Cada tendão nosso que se rasga traz uma dor insuportável...

setembro 11, 2013

Eutanásia

Entrei no quarto branco, frio, a tresandar a éter. Ali estavas tu, deitado, de olhos fechados, a dormir. Desta vez, resolvi não fazer a habitual vigília.

Todos os dias, eu cumpria com a minha parte - sentava-me a teu lado, observando-te, ora rejubilando com cada sinal de vida que davas, ora entristecendo-me quando parecias estar mais inerte. Infelizmente, o teu estado não era constante. Eu vivia de coração sobressaltado, querendo alcançar o compasso das batidas do teu. Recordo-me de todo o fulgor que possuías quando te conheci, e que me cativou de uma tal forma que eu dava tudo para o alimentar. Até que, a certa altura, tu próprio deixaste de o ter. Desfaleceste perante mim; não tinhas grandes hipóteses de sobreviver. Ao invés de ter esperança do contrário, assumi perante mim a veracidade dos factos: mesmo que voltasses à vida, não serias o mesmo aos meus olhos. 

Tomei a decisão mais sensata que podia - colocar-te em coma induzido, e tentar libertar-me do peso que sentia permanentemente nos ombros. Mergulhei-te, afundei-te até onde pude, até onde uma parte de mim quis, até onde não pudesse mais sentir-te, conter-te... Iniciei então uma nova caminhada, enquanto continuavas ligado a máquinas e tubos. Até que, certo dia, a outra parte de mim quis conter-te de novo. Retirei-te do coma, abristes os olhos... E entretanto o meu pior receio confirmou-se... Afinal, tinhas realmente deixado de ser o mesmo. Não mais deste sinal de verdadeira vida. A cadeira onde eu me sentava a vigiar-te tornou-se demasiado desconfortável.

Por isso, desta vez, foi diferente. Contemplei-te por uma última vez. Agarrei na seringa, determinada. Não pensei muito. Introduzi a agulha afiada no teu braço. Não reagiste. Há quanto tempo estarias realmente inerte?...

O líquido letal tomou conta das tuas veias, da tua carne, da tua alma. Consegui vê-la deixar-te. A alma que eu tanto almejava para comungar com a minha em harmonia eterna.

Não derramei uma lágrima sequer. Estava feito. Ponto final. Só depois é que pensei que poderia haver 1001 razões para viveres, mas apenas uma para morreres, e eu tinha optado justamente por essa.

De súbito, alguém bateu à porta do quarto e abriu-a devagar. Do outro lado, ouvi uma voz:

"Então, já está?"

Reconheci-a e sorri. "Sim... Estou livre", respondi. 

E saí porta fora, abandonando-te naquele quarto, branco e frio, ao qual não voltarei mais. Nunca mais.

Descansa em paz.

setembro 07, 2013

Vontade E Propósito

Enquanto o meu corpo obedecia ao ritmo da música, a minha cabeça obedecia a devaneios povoados de ti... Pequenos pedaços de sonho que ao se fundirem, formam uma vontade e um propósito a serem cumpridos em nome de uma existência que valha a pena neste mundo...

setembro 04, 2013

A Expressão

Não é porque me convém, não é porque está na moda, não é porque até nem tinha nada de interessante para fazer e cá vai disto. Não é baseado só num mero companheirismo, só para dizer que existe um par de passos a acompanhar os meus, ou numa volatilidade carnal...

Não é para justificar isso que essa palavra, ou mais correctamente dizendo, essa expressão, existe. Ela concentra muito mais do que estes aspectos. Três vogais, duas consoantes e um hífen ali pelo meio. E basta. É o que basta para concentrar uma única e irrepetível essência, como se eu tivesse descoberto um novo e desconhecido aroma de perfume, de cuja existência nem sequer a Natureza se apercebeu, e quisesse aprisioná-lo num frasco e ir exalando essa maravilha a toda a hora, todos os dias, até chegar ao ponto em que o meu olfacto - e até mesmo o resto dos meus humildes sentidos - já não iria conseguir sobreviver sem esse aroma...

É nessa expressão que se concentra uma vaga de calor reconfortante, tal como uma chama de lareira num rigoroso Inverno... Uma pulsação de vida, um lampejo de clareza racional... Uma linguagem igual àquela que eu falo, uma onda de frequência semelhante àquela na qual navego... É nela que se concentra a minha posição perante tudo isso e muito mais. Porque há almas que conseguem transbordar um corpo, e alcançar um outro, e retirar dele um pedaço da sua alma, fazer ali uma mistura mágica e tornar esse pedaço ainda maior...

É através das dúvidas que se constroem as certezas. E poderá essa alma duvidar de tudo o quanto este pobre mundo é feito... Mas que ela nunca duvide da certeza veemente que eu tenho de a querer.

E muito menos da tal expressão. Aquela que se escreve com três vogais, duas consoantes e um hífen ali pelo meio.

AMO-TE.

agosto 28, 2013

Sensorial

E antes de recolher vem-me à memória os teus olhos e a tua pele, e os teus olhos e a tua pele, e os teus olhos e a tua pele mais uma vez, e a doçura deles, e a forma como me olham e como me falam e como me despem, e a tua pele mais uma vez, quente e macia, e os meus dedos cravados nela como se não te quisessem deixar fugir, como se quisessem fundir-se nela! É incrível!

Os teus olhos e a tua pele, uma e outra e outra vez.

agosto 27, 2013

Veias

As tuas veias.
Já escrevi tanto sobre o teu corpo...
Mas as tuas veias.

Aproximei-me de ti, estando tu sentado, ocupado. Aproximei-me de ti, na mesma.


Abracei-te pelas costas, tu sentado, mal iluminado pela luz do candeeiro ao lado. A luz iluminava o teu braço, e consequentemente as tuas veias, que dele sobressaíam.

Abracei-te pelas costas, pousei o meu queixo sobre o teu ombro, fiquei a olhar para as tuas veias. A luz do candeeiro ao lado iluminava a minha pulseira, que parece de prata, mas não é. Mas tem o teu nome a dourado. Dizem que o silêncio é de ouro e a palavra de prata. Eu acho que é mais ao contrário.

Abraçando-te, acariciei-te o peito nu, e tu ocupado. Só que estavas ali, de qualquer forma. E eu só pensava: "Porque é que não podes estar sempre?".

E ali as tuas veias, veias pulsantes do teu braço, veias predominantes, onde o calor acelera e o sangue também, quando o teu braço se encontra com o meu. Quando o teu abraço conhece também o calor de todas as veias do meu corpo.

Continuei abraçada a ti, e a pulseira com o teu nome brilhava, e tu brilhavas para dentro de mim, meu amado. O amor dá-nos luz e eu tenho a tua comigo, por mais ocupado que estejas. E eu a admiro e a absorvo porque não encontrei até agora luz igual.

E a luz do candeeiro ao lado iluminava-te. E as tuas veias. Acho que ainda não escrevi tudo sobre o teu corpo. Mas já te escrevi nas minhas.

agosto 20, 2013

Zero Dioptrias

Tu estás para mim como as lentes de contacto estão para os meus olhos: para onde eles se dirigem, elas os acompanham, ajudam-me a ver melhor, principalmente ao longe... E fazem-me sentir mais bonita...

agosto 18, 2013

Crer É Poder

Deixa-me querer-te...
E deixa-me querer querer-te...
Deixa-me querer que me queiras
E crer que não queres mais ninguém...

E deixa-me crer
Que tu crês em nós...

agosto 06, 2013

É Porque

É porque mais ninguém conhece poemas.
É porque mais ninguém me activa a área cerebral ligada à experimentação da felicidade suprema permitida ao ser humano.
É porque mais ninguém se ri assim, ou fala assim.
É porque mais ninguém possui esse grau específico de temperatura corporal tão necessária ao sustento da minha.
É porque mais ninguém se sente e me sente assim dessa forma.
É porque mais ninguém anda fora da caixa, contra a multidão, vendo enquanto outros apenas olham.
É porque mais ninguém se expressa, se rasga, se reconstrói.
É porque mais ninguém é sensatamente louco.
É porque mais ninguém é isto, aquilo ou aqueloutro.
É porque mais ninguém é tudo.

É porque mais ninguém é como tu.

agosto 05, 2013

Assim Seja

... E passado cerca de um ano ou mais partilhando o mesmo tecto, cama e mesa, que consigamos sempre nos redescobrir um ao outro e encontrar algo de novo que nos faça voltar a apaixonarmo-nos e a reviver tudo do início...

Todos os dias.

agosto 04, 2013

Voz

Pensa na tua canção preferida.

Separa a letra da música.

Sem a música, a letra é apenas um texto repetitivo...

Sem a letra, a música não passa de meras batidas...

É a junção das duas coisas, através da voz, que faz dessa canção uma canção do caraças.

Por isso é que nós dois devemos formar uma voz.

julho 31, 2013

Dou Por Mim

Dou por mim a querer acordar esperando que o meu despertador seja o timbre da tua voz acompanhado pela melodia dos teus dedos. Dou por mim a percorrer com o meu nariz o lençol que te cobre, a almofada onde depositas sonhos por viver e pensamentos verbalizados. Dou por mim a admirar as tuas longas pestanas, desde a raiz até às pontas. E sendo pontas soltas a formar a minha vida neste momento, dou por ti a ligá-las sem dares conta, e a formares com ela uma malha perfeitamente tecelada e impossível de desfiar.

Dou por mim a explorar a interessante mistura de cinzento com castanho que rodeia as tuas pupilas. E a desejar alimentar-me constantemente delas, e da tua pele quente, que bate aos pontos qualquer lençol macio. Dou por mim a não me querer cansar nunca de ti. E a querer mais chegadas do que partidas, ainda que atabalhoadas. E a não querer falar demasiado do que me leva a escrever tudo isto, porque desde o momento em que o dissemos um ao outro, tudo foi dito. É na cumplicidade do silêncio que ambos nos entendemos.

Dou por mim a sentir que te conheço há anos. Que os relógios passam a a ser objectos completamente inúteis perante a tua presença. Dou por mim a querer sentir-te mais e mais, e ainda assim saber tão a pouco... O pouco com o qual se faz muito...

Dou por mim a amar-te. Só isso.

julho 25, 2013

Barca

Tu és Capitão Romance
Navegando nessa barca
Querendo que ela avance
Para onde a bússola marca

Mas não, não é o Norte
A guiar-te entre o azul
Pois que haja vento forte
Que te leve até ao Sul!

julho 24, 2013

Surely

Still loving you too
But not in the way I'm supposed to...
I want it somehow!
Surely later... Not now!

julho 23, 2013

Mitologia

N., o Filho da Nuvem...
Centauro Invicto, Destruidor de Raios Élficos
Que não iluminam... Queimam!
Guardião de tesouros cor de ruby...
Excelso portador de concentrado de analgesia
Auricular e ventricular...
Exímio guerreiro que se move
Por entre terras sagradas da Mãe Gaia...

Salvé!

julho 22, 2013

Enologia

C., Especial Reserva 1969.
Cor intensa, textura forte.
Sabor encorpado, que perdura na boca, trazendo consigo o saber do tempo...
Um néctar maduro, a ser consumido sem moderação... 
Volume alcoólico docemente embriagante...
Se Baco fosse mulher, ela o elevaria ao estatuto de Elixir do Prazer Eterno... E nenhuma outra bebida seria permitida no Olimpo...
Vénus enlouqueceria de êxtase com apenas um pequeno cálice...
Seria a água onde ninfas se banhariam...
Até que uma só gota cairia na Terra... Em mim..
Fazendo-me ascender, roubar-te, provar-te e ficar para sempre tua cativa...

À nossa!

julho 21, 2013

Fiança

Querido Futuro

Espero que te encontres bem.

Escrevo-te directamente do Presente. Aproveitei um momento em que ninguém me estava a observar, surripiei um papel e uma caneta... E eis-me a redigir esta carta. Prometo ser-te breve e concisa. Também não quero ser apanhada.

Estou aqui presa, como sabes. Não te consigo precisar há quanto tempo, mas tenho noção que é o tempo suficiente para concluir que não estou bem. Não tenho cuidado de mim ultimamente; confesso que não tenho tido forças para isso. Olho para o espelho e dificilmente me reconheço. Sinto-me envelhecida, disforme, pesada. Vejo o meu cabelo quebradiço, um rosto que está a perder vida... Sofri recentemente uma entorse no pé e, apesar de já ter saído do período de convalescença, não creio que esteja totalmente recuperado. Tem um aspecto feio... Para piorar, há uma dor de dentes que me anda a atormentar...

Como já te apercebeste, o panorama não é nada bom. E todos os dias, a situação se repete: acordo, saio da cela, tomo a primeira refeição do dia, cumpro com as tarefas estipuladas, chega a pausa para almoço, volto às tarefas, pausa para jantar e regresso à cela. A rotina é a mesma de sempre, mecanizada. As tarefas são as mesmas de sempre, as pessoas ao meu redor são as mesmas de sempre. Já para não falar da comida... O meu organismo fica intoxicado, conspurcado com tanta porcaria. Se eu já não a saboreava com prazer, agora com a dor de dentes, muito menos... E nem um protesto me é permitido. Ai de mim que reclame!...

A minha cela vai-se tornando cada vez mais pequena, e o ar cada vez mais viciado e irrespirável. Não tenho companhia, ou ao menos um calendário para ir riscando. Não cheguei a trazer fotos para aqui. Mas trouxe memórias, o que basicamente vai dar ao mesmo, com a diferença de que não são palpáveis. Raras são as vezes em que recebo visitas... Já não suporto estar aqui dentro. Aliás, eu nem sequer suporto estar dentro de mim...

Prometi no início desta carta que te seria breve e concisa. Portanto, não querendo tomar muito mais do teu tempo, deixa-me ir directa ao assunto.

Sei que vais achar isto uma loucura... Mas preciso que me pagues a fiança o mais rapidamente possível. És o único que a poderás pagar. Infelizmente, não estou autorizada a sair em precária. Também não me interessam liberdades condicionais. Quero sair com a plena certeza de que, faça o que fizer (e não farei nada de mal, para que conste, muito pelo contrário), não voltarei a este lugar. Esta cadeia é horrível, acredita!... E eu não mereço cumprir esta pena. Eu não matei ninguém, eu não roubei. Fui injustamente condenada...

Por favor, Futuro... Chega mais cedo. Peço-te! Ajuda-me, porque não aguento mais! Dá-me um sinal... Liberta-me! Estou dependente de ti... E há alguém que também o está... Alguém que está lá fora, à minha espera.

Um beijo

Dina

julho 18, 2013

"Amo-te, Foda-se!" - A Teoria

O termo "foda-se" é uma interjeição de carácter comummente ofensivo, mas que neste contexto surge como um elemento verbal que reforça o sentimento expresso na dita declaração. Ou seja, tem como por objectivo enfatizar o conceito emocional que se pretende declarar, passando do carácter ofensivo para o carácter expansivo. Isto porque o conceito emocional expresso - vulgo "amor" - é por si só dotado de uma dimensão que dificilmente consegue ultrapassar barreiras físicas, neste caso corporais, tendo em conta que a componente física na qual ele é gerado - o coração - é um pequeno músculo. O termo "foda-se" auxilia portanto este pequeno músculo, através da linguagem processada pelo cérebro, a manifestar-se para além de todas as barreiras que possam existir, fazendo inclusive uma espécie de parceria com a componente não-material - vulgo "alma" - que se alimenta do conceito emocional mencionado supra.

julho 12, 2013

Um Mês

Uma rede. Uma página. Um clique. Um comentário. Um pedido. Um "olá". Uma conversa. Um elogio. Uma piada. Uma amizade. Uma tela. Um telefonema. Uma mensagem. Um concerto. Um bilhete. Um comboio. Uma viagem. Uma cais. Uma cidade. Um rio. Uma ponte. Um monumento. Uma rosa. Uma cama. Um olhar. Um sorriso. Um abraço. Um beijo. Uma carícia. Uma palavra. Um almoço. Um jantar. Um "brunch". Uma ceia. Um pôr-do-sol. Um luar. Um jardim. Um passeio. Uma foto. Uma música. Uma dança. Uma bebida. Um banho. Um perfume. Um cigarro. Um desejo. Um horóscopo. Uma roupa. Uma equipa. Uma lista. Uma inspiração. Um texto. Uma janela. Uma festa. Uma madrugada. Um anel. Uma promessa. Um reencontro. Um sonho. Uma realidade.

Um mês. Uma eternidade. Um homem. Um amor.

julho 08, 2013

Em Que Estás A Pensar?

Em que estou a pensar? No teu corpo. A sério. Na bela escultura que ele esconde. E que eu reclamo como sendo minha. Não me julgues por isso... É através dele que eu chego até ti... E quero redescobri-lo e perder-me nele uma e outra e outra vez... Perder-me nos teus olhos, nos teus lábios e na tua pele... Em que estou a pensar mais? Que sinto saudades do teu riso, das tuas piadas, de ver-te fumar... De acariciar o teu cabelo, de mordiscar a tua orelha, do teu perfume... De te pegar na mão à mesa, de te fazer massagens, de me aninhar no teu peito, de te ver a andar de tronco nu pela casa... Saudades dos nossos banhos de imersão, do nosso brunch, dos nossos jantares caseiros, da tua objectiva fotográfica... As minhas unhas cravadas nas tuas costas... A minha cintura a ondular em cima da tua... A minha língua a passear no teu ouvido...

Enquanto não me levo até ti... Trago-te em pensamentos...

julho 02, 2013

Cidade do Tempo Eterno

A Cidade do Tempo Eterno
Que me deste a conhecer
Não tem prédios muito altos
E posso olhar para o céu
As vezes que me apetecer.

A Cidade do Tempo Eterno
Tem ruelas estreitas
Onde nos podemos esconder.
Ficaram com os nossos risos
Com os nossos passos
Sem nenhum de nós saber.

A Cidade do Tempo Eterno
É luminosa e é escura
Calmaria e agitação
De atmosfera pura
Que dá gosto absorver.

A Cidade do Tempo Eterno...
Foi nela que me deixei
E não mais me procurei
Mesmo que o quisesse fazer.

Essa Cidade que amarei
Da qual cativa fiquei
Para não mais te perder.

junho 28, 2013

Foto Tipo Passe

Descobri-a acidentalmente. Uma foto tua, tipo passe, camuflada no pó, escondida dos olhares. Com ar de ser antiga, embora bem conservada. Eras tu, com alguns anos a menos. Uma vintena deles, suponho.
Tinhas um aspecto sereno e compenetrado ao mesmo tempo. Rosto alvo, de feições delicadas e limpas. Usavas fato e gravata na altura, a barba desfeita, um penteado aprumado. Tudo composto para a ocasião do "flash".
Não sei em que contexto a tiraste, mas deixa-me dizer-te que eras incrivelmente bonito. Belo, mesmo. Acredita... Pois, não acreditas. Achas que é tudo uma grandessíssima "tanga" minha. Acha pois o que quiseres e o que bem entenderes. Não me vais conseguir tirar essa opinião do pensamento e, por conseguinte, da minha boca.
Os anos passaram por ti e isso é um facto. Os anos que te trouxeram experiências, etapas, mil e um estados de alma que se resumem ao senti-la nos píncaros da existência suprema ou no mais profundo subsolo de tudo o que é negativo neste mundo. Os anos que te trouxeram pessoas e os respectivos laços, próximos ou não. Que te trouxeram lugares, os de passagem e os fixos. Os anos que fizeram de ti a pessoa que és hoje.
A vintena deles que separa a foto do presente marcaram-te o rosto. Tornaram-no menos alvo; as suas feições fragilizaram-se. Parto do princípio que tu aceitaste tudo isso com naturalidade. E o que se viveu está vivido... Não há como inverter o processo. Eu também não irei para nova... Haverão estragos à minha espera.
Mas também parto do princípio que de alguma forma, ainda estará aí dentro o rapaz que vi na fotografia. A sua energia, sagacidade, curiosidade, as suas ganas de tudo. E, creio eu, algures debaixo de uma forte camada de comodismo, medo, insegurança, descrença, que foste construindo nesses anos todos que passaram. Uma camada terrivelmente grossa que o sufoca, que não o deixa respirar.
Deixa-o submergir. Não o confines a um quadrado de papel. Ele é demasiado tu para estar apenas ali. Não o remetas para uma memória remota do teu ser. O que se viveu está vivido... Mas ainda há mais para viver.
E deixa-me que te diga: continuo a achar-te incrivelmente bonito. Independentemente das vintenas.

junho 27, 2013

Sussurro da Alma

A minha alma sussurra-te ao ouvido: "Gosto de ti, gosto de ti". E tu te mostras incrédulo. Não consegues conceber a ideia de que as almas também sussurram, no seu silêncio tão próprio. Até mesmo a tua sussurra, embora a tua vontade de a calar permaneça. Comigo, isso não resultou. Eu consigo ouvi-la. E respondo de volta: "Também te amo".

junho 22, 2013

Todo Tu

Todo tu. Todas as letras do teu nome, do teu apelido, da tua caligrafia inquieta. Todo o mel que te escorre dos olhos, toda a displicência dos teus lábios, toda a tua postura, todo tu.

Toda a tua expressão. Todos os fios brancos do teu cabelo. Todos os outros fios, que eu agarro, para não te perder à meada. Todas as tuas marcas. Toda a tua barba desfeita ou até mesmo por desfazer. Todo o teu canto da boca a prender mais um cigarro, o primeiro do maço, o último. Todo o fumo que exalas sem pressa. Toda a aura que te envolve. Todo o teu vestir e despir. Principalmente o despir. Todas as privilegiadas gotas de perfume que povoam o teu pescoço. Todo o fervor que te consome a mente, todo o ardor do teu peito, toda a tua raiva, revolta, toda a tua doçura, calma. Todo o teu riso, toda a tua lágrima disfarçada, todo o teu prazer, toda a tua dor. Todo tu.

Todo o contorno da tua cintura. Todas as veias que pulsam nos teus braços. Toda a tua força e fraqueza dissimulada, toda a tua agilidade. Toda a tua verdade. Toda a tua nudez, toda a tua crueza. Toda a tua liberdade.

Todo tu. Que és todo meu.

junho 21, 2013

Costas Nuas

Estou a ver os traços da tua espinha. Tu para aí ocupado, ou a fingir que estás, para não pensares em nada, e nem te apercebes do deleite que me proporcionas. As tuas costas nuas, cenário perfeito para um passeio de unhas. E agora estás de cigarro na boca. "You delicious bastard". Lembras-te? Eu sim. Espero que te lembres disso e muito mais. Embora agora ache que estás muito mais preocupado em arrumar os CD que tens por aí espalhados do que propriamente em lembrares-te de mim. Ou de nós. Mas aqui estou eu, sentada, a contemplar-te, em silêncio. A ver os traços da tua espinha. Aquela que eu acabo por arrepiar cada vez que te toco. Assim espero que seja. Que o meu toque não tenha sido em vão. Que o tenhas guardado algures em ti. Que não o tenhas transferido para mais lugar nenhum. Nem sequer para os CD. Olha que fico ciumenta, e vai na volta agarro neles e desarrumo-os só para depois ter o prazer de te ver a arrumá-los novamente na estante, de costas nuas para mim. Tal como se estivesses a arrumar o caos dos teus dias, dos teus pensamentos, das tuas frases e afirmações. Sei que não estás. Agora os CD, depois o resto. E depois eu, ou talvez não. Ou talvez sim. Ou então eu, e depois o resto. Quanto a mim, já defini as prioridades: primeiro, contemplar-te. Depois, continuar a adorar-te. E por fim, amar-te, a ti e os traços da tua espinha. E que eu saiba disso.

junho 20, 2013

Tu És Tu

Tu és tu. Não podes, nem deves ser mais ninguém a não ser tu. És um exemplar que não mais se repetirá. Portanto usa-te, aproveita-te antes que expires. Permite-te a isso. Permite-te assentar os pés firmemente no ar, cair ao tentares fazê-lo e fazê-lo uma e outra e outra vez. Goza o teu pleno dever de falhar, de estragar tudo, de fazer merda, para que depois possas usufruir do direito de consertar, reconstruir, limpar e recomeçar, mesmo que depois tenhas que falhar de novo. Dizem que errar uma vez é perdoável, errar segunda já é estupidez. Permite-te então seres um grandessíssimo estúpido. Só assim conseguirás ser inteligente. Se estiveres entre aqueles que rastejam pela vida fora, caminha. Se eles caminharem, corre. Se eles correrem, voa. Mas nunca te conformes. Quem segue um rebanho tem um fim marcado, quem foge dele marca um começo.

Tu és tu. E não eles.

junho 19, 2013

Tela

Acordei ainda um pouco estremunhada de sono. Era Domingo. Era Junho, mas não parecia. Era suposto estar sol, mas não estava. E enquanto não estavas comigo, levantei-me. Fui até à varanda da sala. De facto não parecia estarmos em Junho. O céu cobria-se completamente de nuvens, dando um aspecto ainda mais sombrio à cidade que só por si já o é. Sombria, cinzenta, antiga, tal como o mundo lá fora, que observo através da janela.
Reparei que na tua sala havia uma enorme tela, que tapava quase por completo uma das paredes. Estava torta. Fui lá e endireitei-a. Não gosto muito de ver quadros tortos; sempre ouvi dizer que dão azar. E para além disso, convém que os quadros estejam direitos para que se possa apreciá-los convenientemente, sem correr o risco de ficar com um torcicolo...
Não te pedi autorização para a endireitar. Também não estavas ali. Aliás, talvez a tela estivesse torta de propósito - podias gostar mais dela assim. Contudo, eu achei que devia fazê-lo, e que provavelmente nem te importarias.
Mais tarde, olhando com mais atenção, vi que na tela estavam escritas as seguintes palavras:

ESTRUTURA
EQUILIBRADA
REGULAR
NATURAL
SUPORTA
UNE

E naquele momento, tudo fez sentido. Uma estrutura equilibrada, regular e natural, suporta e une. Por isso, se tiveres mais telas que estejam tortas nas tuas paredes, prontifico-me a endireitá-las. A equilibrar pois as tuas estruturas, torná-las naturalmente regulares, tal como deviam ser. E elas te irão suportar. E elas nos irão unir.

junho 05, 2013

Só Mais Um

Tu fazes-me sorrir. E muito.
Tu fazes-me sentir feliz com pequenas coisas.
Com um telefonema. Com uma piada. Com um olhar.
Com o teu pensamento posto em mim.
Tu fazes-me sentir aquele "eu" que eu era suposto ser.
E fazes tão pouco para que isso aconteça... O que para mim, na verdade, é muito.
Tu fazes-me ansiar por algo muito bom. Como aquela criança que fica fora de si quando sabe que lhe vão dar uma simples guloseima.
Tu és uma guloseima. A propósito, tens uma voz de cana... De açúcar. Porque é doce.
E é a voz que eu não me importaria de ouvir, mesmo que não dissesse nada de jeito...
Eu sei que não devia voltar aos "vómitos literários". Quase que me fizeste prometer que não o faria. Mas não me consigo conter.
Amo, logo escrevo. Portanto, como poderia não te escrever?

Não sei até onde irá a caneta. As palavras.
Vou contudo desamarrá-las e deixá-las seguir o seu curso... Sem medos.
Não sei até onde irei, até onde iremos.
Espero contudo ir, e espero que vás comigo até onde eu for.
Eu gostava de ir longe. De deixar para trás todas as porcarias que minam a minha vida... Queria lavá-la, deixá-la limpa, pronta para te receber nela (meu Deus, isto agora soou um pouco pornográfico, mas "whatever", como tu dizes...).
Bom... Tu no fundo já lá estás, e faço questão que continues. Na minha vida.
E que me dês cada vez mais motivos para "vomitar", para continuar a escrever-te...

Já te disse que me fazes sorrir? E muito?
Por isso é que te dedico este texto. E me dedico. A ti, meu centauro invicto.

maio 23, 2013

Meias

Doem-me os pés de estar tanto tempo de pé. Descalço-me lentamente. Observo os meus dedos cansados, a planta do pé enfiada numa meia elástica, grossa, que tenho obrigatoriamente de usar. São as chamadas meias de descanso, que na verdade não proporcionam descanso nenhum. Apertam os meus pés e as pernas até à zona do joelho, não deixam a pele respirar e causam uma sensação de calor um tanto ou quanto difícil de suportar... O que vale é que são meias sem ponta, e portanto deixam os dedos a descoberto. Os meus dedos magros e cansados.

Nem sempre me mantenho de pé. Também caminho, e até mesmo aí devo usar as tais meias. Não gosto muito de as usar, mas gosto de caminhar. Dizem que faz bem à saúde, melhora a qualidade de vida, etc. Também oiço dizer que o caminho é para a frente, e que mesmo que não seja para a frente, quando se caminha chega-se sempre a qualquer lado.

Doem-me os pés de tanto caminhar. Posso parar para descansar, mas as meias não me vão servir de nada, naturalmente. Posso tirá-las, mas duvido que chegue a algum lado. Curiosamente, e para mal dos meus trilhos, estradas e corredores que tenho para percorrer, o que não falta por aí são meias do género. Que nos apertam, nos cansam e nos impedem de seguir. Em frente ou para os lados... Tanto faz.

maio 21, 2013

Tiquetaque

Conto os dias. Ainda faltam alguns. Conto as horas, e ainda faltam bastantes. Não me dou porém ao trabalho de contar também os minutos e os segundos, porque aí a matemática complica-se e eu nunca fui muito boa a essa disciplina na escola. E para complicados já bastam os dias que faltam, e as horas. Só que não posso passar por cima deles; ainda que eu quisesse destruir todos os relógios, de nada me valeria. Os dias cá estariam na mesma, à minha espera, tal como eu espero que eles passem, que eles se ultrapassem, que eles se atropelem, honestamente falando...

Diz-se que o tempo voa. Tenho as minhas dúvidas acerca disso. Na minha opinião, ele deve estar com algum problema nas asas, ou então a culpa é da baixa altitude. Só isso consegue explicar o facto de a vida que à partida me pertence não estar já aqui e agora ao meu alcance. Invisto, deposito e o banco do tempo demora imenso tempo a disponibilizar-me o crédito. E a paciência, a tolerância e a condescendência são um saldo que se esgota até se tornar negativo.

Continuo a contar os dias e as horas, e lá no fundo sei que as contas vão bater certas. A soma do pensar com o sentir, a subtracção da ansiedade e da expectativa, a multiplicação das alegrias e a divisão das tristezas. E os ponteiros de todos os relógios vão continuar a andar - isso também é certo. Só que dessa vez, ao invés de os querer destruir, vou querer preservá-los e desejar que as asas do tempo nunca saiam do chão.

Tu vais valer todas as operações, equações e resoluções. E os dias. E as horas. E já agora, os minutos e os segundos que outrora vi-me forçada a ignorar. Porque nunca fui muito boa a Matemática. Mas hei-de respirar de alívio... Vou tirar positiva, de certeza.

maio 20, 2013

A Lista

Como rapariga organizada que sou, tenho um pouco a mania das listas. Listas de compras, listas de tarefas, listas telefónicas. Listas por tudo e por nada. Julgo que são uma boa forma de ordenar o pensamento, e de não me esquecer daquilo que devo comprar ou fazer. Mas por norma, como rapariga desorganizada que sou, deixo as coisas das listas por fazer para o dia seguinte. A esse fenómeno dá-se o nome de procrastinação, ou seja, é uma palavra estranha que resume um bocado aquele procedimento de deixarmos para amanhã aquilo que podemos fazer hoje. Claro que depois entra-se em stress e a vida fica uma confusão. E o pensamento, coitado, desordena-se sem que queiramos.

Listas por tudo e por nada, disse eu acima. Por isso é que ontem apeteceu-me fazer uma lista, e diferente de todas as outras: uma lista com 10 nomes. Até poderiam ser 13, só que sempre ouvi dizer que esse número dá azar. Portanto, fiquei-me pelos dez. Não eram nomes de novos contactos que fiz, nem sequer nomes que usaria para baptizar os meus filhos. Eram apenas 10 nomes de exemplares de raça marciana que, como rapariga ocupada que sou, tive oportunidade de testar em laboratório. Ordenei então o meu pensamento no sentido de não me esquecer de nenhum, para memória futura. Recordei-me que cada exemplar tinha a sua natureza, a sua particularidade, e cada um forneceu as respectivas consequências disso nos resultados do respectivo teste. Foi efectuado o mesmo para todos e para cada um deles. Não houve nenhum que tivesse passado. Todos os resultados foram negativos.

Assim sendo, aquela lista não me interessava muito. Foram 10 portas que se fecharam, e às quais eu bati tantas vezes... Foram 10 plantas que fiz questão de regar e que mesmo assim apodreceram... Foram 10 moedas que se revelaram falsas e inúteis às minhas mãos... Afinal, a lista não era só de nomes.

Já que falamos em nomes, o teu não estava lá escrito, felizmente. Porque eu depois rasguei a lista e atirei-a para o caixote do lixo. E o teu nome não estava lá escrito porque não te considero como mais uma cobaia. Não te vejo com perfil para tal, muito menos para te misturares com as outras.

Aliás, em relação a ti resolvi redigir uma outra lista, e que talvez seja mais produtiva... Do género: 

1 - Desordenar docemente o meu pensamento focando-o na tua pessoa;
2 - Entrar de mansinho nas portas que queiras abrir para mim;
3 - Cuidar das tuas folhas, flores e frutos com dedicação;
4 - Valorizar o teu ouro interior;
5 - Reler as mensagens que trocámos;
6 - Colocar-te no meu campo de visão, ou pelo menos uma foto tua;
7 - Manter-te longe do laboratório;
8 - Preservar-te na tua particularidade;
9 - Rejubilar-me com o teu contacto;
10 - Não deitar esta lista para o lixo.

Não vai haver cá procrastinaqualquercoisa. Que seja então a primeira lista a ser cumprida à risca... Como rapariga apaixonada que sou.

maio 18, 2013

Janela

Nós existimos para o mundo, mas sobretudo existimos um para o outro, como se a realidade que ousamos viver lá fora fosse uma obrigação, contrastando com o prazer que sentimos em viver a nossa. De vez em quando fazemos uma pausa - o mais pequena possível - na nossa existência particular, e espreitamos o que se passa lá fora, através da janela que ambos criámos.

Tu sugeriste: "Vamos ver como está o mundo lá fora?", ao que eu respondi que sim. Abrimos então a nossa janela e espreitamos. Constatamos que tudo permanece igual, enquanto que, no lado de dentro, tudo vai evoluindo na ordem correcta; nós estamos justamente onde deveríamos estar, quando deveríamos estar e como deveríamos estar. Completos, íntegros, simplesmente nós.

Ao mesmo tempo, o tal mundo paralelo, chato, cinzento, mesquinho, ao qual nos recusamos a pertencer, apodrece, definha, sem nunca conhecer a noção do quão diferente e belo poderia ser se estivesse como o lado de cá da janela. Mas lá no fundo, ainda bem que não conhece... Pelo menos acabaremos os nossos dias orgulhosos de termos mantido a nossa realidade justamente como deveria ser: só nossa.

maio 17, 2013

Algo

Acredito que tu e eu temos algo para viver. Não sei especificar se esse algo é longo e muito intenso, ou curto e pouco intenso, contudo mesmo que seja curto e muito intenso, lá terá a sua importância. Não sei especificar como ou quando terá lugar... Talvez seja só enquanto eu souber absorver a forma sensual como aprecias o teu cigarro. Ou a expressão meiga do teu olhar castanho, cinzento e de todas as cores que trazes contigo. Ou o sulco vincado pela linha da tua anca. Ou as tuas cicatrizes, das quais tanto maldizes, mas que eu vou adorar ter em conta quando esse algo acontecer. Especialmente as das mãos, mãos sedentas de cura feita com outra pele que não a tua. Tudo isto, mesmo que mantenhas o arco com a flecha em riste, flamejando fogo centáurico, e eu aqui me escudando com a simplicidade de uma espiga de trigo. E tudo isto, mesmo que insistas em cantarolar a mesma canção da mesma banda sonora dos mesmos dias de sempre, e isso te faça parecer um idiota. Só que isso também não me diz nada. Tu dizes-me tudo. Por isso não és idiota nenhum.

E sei que terá lugar enquanto tu souberes arrancar de mim o pulsar de um novo fôlego para os meus dias de sempre. E risos, muitos risos, e o ardor de liberdades renovadas que se tornarão um tanto ou quanto diferentes... Continuo sem saber especificar o quando desse algo, ou como, ou inclusive o porquê. Mas acho que é por aí.

Posto isto, concluo que ambos temos algo para viver. Juntos, portanto.

maio 15, 2013

Verso Breve

Ainda aqui estás
E lá estiveste
E sempre estarás
Foi o que disseste

Também estarei
Não é gratidão
Foi o que pensei
No meu coração.

maio 11, 2013

Cicatriz

Quando eu era pequena, tinha uma amiga que vivia na mesma rua que eu e com a qual gostava muito de brincar ao ar livre. Sendo eu uma criança um tanto ou quanto solitária, ela era uma das poucas amigas que possuía. Num certo dia de Verão, ela veio chamar-me a casa. O meu pai andava a pintar as paredes, e a enorme lata de tinta que ele usava tinha uma tampa cujo rebordo era bastante saliente, permitindo que a lata pudesse ser aberta sem grande dificuldade. E estava virado para cima, tapando a lata colocada no chão. Quando ouvi a voz da minha amiga a chamar por mim, corri para junto da porta, ansiando por mais uma tarde de brincadeira...

Passei junto à lata e eis senão quando... zás!, o rebordo da tampa me faz um golpe profundo na perna esquerda! E não foi um daqueles cortes superficiais... Chegou mesmo a rasgar-me um pedaço da pele, que ficou inclusive dobrado para dentro!... Assustada e com dores, eu só via sangue a escorrer... De súbito, como seria de esperar, vieram os meus pais e o meu irmão socorrer-me - eles em pânico, este um pouco mais calmo... Não me lembro de alguma vez ter sangrado tanto. Com sorte, não fui parar ao hospital, contudo também não fui brincar para a rua naquele dia... A minha amiga, que também deve ter ficado assustada quando se apercebeu da situação, regressou a casa. Entretanto o sangue lá estancou, foi feito o devido curativo, por fim acalmei... Fiquei com a perna envolta em ligadura durante alguns dias, mas isso não me impediu de voltar a brincar, e principalmente com a minha amiga. No dia seguinte lá estava eu com ela, no pátio da vivenda onde eu morava, como se nada tivesse acontecido.

Do incidente resultou uma cicatriz bastante visível, e não lá muito bonita... E já se sabe que as cicatrizes marcam a nossa pele para toda a vida. Os anos foram passando e cresci com ela, aprendendo a aceitá-la como uma parte de mim. A minha amiga também cresceu e fomos nos afastando... Ambas substituímos as brincadeiras da nossa meninice pelos estudos e outros interesses mais adultos. Aos poucos, deixámos de ter contacto uma com a outra, mesmo sendo vizinhas próximas. A minha mãe costumava comentar algo do género "ficaste com essa cicatriz por causa dela e agora não te liga nenhuma!". Mas não foi propriamente por causa dela. Obviamente que a rapariga não teve culpa nenhuma do que se passou. Culpa tive eu, cuja sede de companhia e amizade e desejo de brincadeira (tão natural nas crianças) me traiu.

Este episódio podia resumir a história da minha vida, tão curta e ao mesmo tempo tão rica em cicatrizes, mais ou menos parecidas com aquela que ostento na minha perna esquerda desde miúda. Cicatrizes que outrora foram feridas causadas por ânsias, vontades e desejos despoletados e sentidos por aqueles e aquelas que também chamaram por mim, e aos quais eu cedi. De qualquer forma, segui e sigo optimista. Ainda hoje olho para a cicatriz e me recordo dos momentos de diversão que partilhei com a tal amiga de infância. Para além disso, jã não me parece tão feia como dantes. Aliás - e isto é de facto curioso - , o formato que ela assumiu faz-me lembrar um sorriso...

maio 07, 2013

Café Duplo

Duas doses de pó mágico, uma chávena grande, água bem quente – eis a receita. Confesso que não sou grande apreciadora da mesma, só que por vezes há que a confeccionar. A maioria dos comuns mortais consome-a todos os dias (ou quase todos), pelo menos uma vez ou até mais, e consta que também acrescentam açúcar ou adoçante, como é da praxe. Eu não. Consumo esporadicamente e não acrescento nada a não ser um pouco de natas, às vezes, e uma pitada de canela em pó. Fica mais interessante, à laia de bebida “gourmet”.

Sorvo-a devagar, tendo cuidado para não queimar a língua. A nuvem fofa de natas e canela vai-se desfazendo aos poucos no líquido. Entretanto lembrei-me que a maioria dos comuns mortais prefere uma chávena pequena em detrimento da grande. Pois eu gosto mais desta última, uma dupla dose; no meu caso, sempre funciona melhor do que apenas uma. É duplamente reconfortante e estimulante.

Reconforto-me e estimulo-me desta maneira quando o meu corpo pede uma carga extra de energia para enfrentar mais um dia de trabalho, manter-me mais alerta e atenuar insónias propositadas. Ou então isto é tudo uma desculpa esfarrapada para saborear natas disfarçadamente, sem estar a aturar reclamações da balança, ou até mesmo para mostrar aos comuns mortais que também faço parte do rebanho. Só não saco é do cigarro.

Na verdade, até nem poderá ser nada disto. Sorvo este café duplo muito provavelmente como desculpa para pensar um pouco mais em ti enquanto não começa mais uma sessão de tortura laboral. A pausa para o café é quase como um momento fora do tempo, em que nos abstraímos de tudo e entramos numa espécie de introspecção. Nesse momento, somos só nós e a chávena.

Eu, a chávena e tu. O café não te substitui de forma alguma, contudo também é doce, quente, revigorante, aconchegante, terapêutico. E ainda por cima, como é duplo, fornece todas essas propriedades a dobrar, para além de se demorar mais tempo a bebê-lo, devido ao tamanho da chávena... O que é óptimo, porque consequentemente, consigo incluir-te na minha introspecção de modo mais prolongado.

Havemos de tomar um café juntos, um dia destes. Curto, longo, simples, duplo, triplo, não interessa... Desde que possamos gozar de um momento introspectivo em simultâneo. E se não houver natas nem canela, ou até mesmo o básico açúcar, acredita que nem sequer me vou importar.

maio 06, 2013

A Ponte

Eu tenho um mundo pequeno, tão pequenino, tão meu. Tu tens um mundo pequeno, tão pequenino, tão teu. E entre esses dois mundos, tão pequeninos e tão nossos, existe uma ponte, igualmente nossa. Muito nossa, e ainda mais pequenina, que ambos nos atrevemos a construir - tudo em prol da evolução desses mesmos mundos. Isto porque essa ponte nos permite partilhar o que de melhor há neles. Todos os dias lá nos encontramos, a meio da dita ponte... Eu trago o melhor que há no meu mundo para te mostrar, e tu trazes o melhor do teu para me mostrares... E ambos ficamos encantados com tudo o que esses nossos mundos pequeninos têm para oferecer um ao outro, e isso os engrandece e os enriquece... E lá está, os faz evoluir.

Naquele dia, como de costume, agarrei mais uma vez num pedaço do meu mundo e fui até ao teu encontro, a meio da ponte. Não estavas lá - devias ter-te atrasado, provavelmente a escolher o teu pedaço para trazeres. Mas eu esperei por ti, pacientemente. E nunca mais aparecias... Esperei mais um pouco, e esse pouco transformou-se em muito, e nada. Não apareceste. De súbito, fiquei com a impressão de que a ponte tinha aumentado de tamanho, como se ganhasse quilómetros e quilómetros, e eles nos estivessem a separar. Por mais que eu esforçasse a minha visão, não te conseguia ver lá ao fundo. Por mais que eu corresse, não conseguia chegar até ti.

Tudo o que eu queria era viver um pouco no teu mundo... E deixar que tu vivesses no meu, e o mudasses; que te tornasses tu próprio na sua evolução. E eu, habitando no teu, faria a minha parte também.

Tenho para mim que, na génese de todas as coisas, os nossos pequenos mundos eram um só, e que por razões que não se encontram ao alcançe do nosso raciocínio, se separaram, dando origem a dois. Com esta troca que sugiro, julgo com toda a certeza que voltariam a fundir-se. E aí já não seria necessário haver uma ponte que os ligasse.

A propósito, ainda lá estou, bem no meio, aguardando a tua chegada. Com todo aquele pedaço do meu mundo, pronto a tornar-se teu.

maio 05, 2013

Facto

Existe alguém.

E ainda bem.

Quem?

Só a nós diz respeito...

E a mais ninguém.

maio 01, 2013

Arquétipo

O teu cabelo moreno
O teu olhar delicado
O teu semblante sereno
O teu peito desenhado

Os teus lábios modestos
O teu sorriso rasgado
Os teus decididos gestos
O teu passo demorado

A tua voz maviosa
O teu discurso estudado
A tua mente curiosa
O teu instinto apurado

O teu indiferente querer
O teu íntimo baralhado
A tua negação de ser
O meu arquétipo amado

O meu destino ferido
Pelo arquétipo errado
O teu pedestal destruído
O teu final declarado.

abril 29, 2013

Adoração

Adoro-te
Adoro adorar-te
Adoro que me adores
Adoro que adores adorar-me
E no meio de tanta adoração...
Adoramo-nos um ao outro!
E eu adoro isso
E sei que adoras também...

abril 28, 2013

Tu Mereces

Tu mereces o vento suave que te acaricia a face. Tu mereces a candura da vela numa noite escura. Tu mereces a espuma das ondas, cada sulco que as gotas da chuva deixam na terra seca, a ternura que as pétalas das rosas depositam nos teus olhos. Tu mereces o cheiro a sal, a bronze e o cheiro da madeira que se ergue para o alto. Tu mereces cada maçã colhida na infância das manhãs, a calma primaveril que toma conta das tardes, a aura prateada da lua. A frescura cálida do sol, e mereces cada ponto e partícula que estão mesmo aqui no firmamento. Tu mereces a fervura do sangue, do suor, das lágrimas derramadas em forma de virtude. E tu mereces a força da palavra, do número, do símbolo. Tantas coisas, quantas aquelas que te justificam, te sustentam, te contêm na sua ínfima composição. Mantém-te parte da parte e do todo que são uno. Tu mereces.

abril 27, 2013

A Viagem

Eis-me chegada ao meu destino. Munida de natural excitação, curiosidade e bastante interesse, inicio a minha visita guiada. És tu que abres as hostes. Em jeito de introdução ao percurso, permites-me fazer primeiro um breve reconhecimento da tua essência, só para ter uma ideia daquilo que vou poder encontrar. E parece-me bem - à partida, acho que vou gostar de te explorar, de te descobrir e de me divertir com isso.

Caminho pela tua história enquanto te oiço atentamente. Falas numa língua que eu entendo na perfeição, como se tivesse sido criada de propósito para mim. Mesmo assim, coloco-te algumas questões, tu respondes e eu anoto tudo no meu bloco de folhas até então vazias, prontas a serem preenchidas de ti. Continuo a ouvir-te; aquilo que foste, aquilo que agora és, aquilo que supostamente serás. Os factos encadeiam-se com os argumentos, as ideias rematam os sonhos, as vontades aliam-se aos princípios. E eu fico maravilhada com toda essa conexão que me mostras e que é tão semelhante à minha... À minha história, sobretudo. Sinto que aprendi muitíssimo, e não me fico por aí, como é óbvio. Sei que há muito mais...

Primeira paragem para uma breve degustação do teu sorriso, da tua boa disposição e boa conversa, preparada à base de trivialidades, com uma pitada de inteligência e desenvoltura intelectual. Deixo-me seduzir pelos aromas que me proporcionas... E para aperitivo, não estão nada maus...

Percorro de seguida as montanhas das tuas tantas outras virtudes. De vez em quando lá vou vislumbrando um ou outro rochedo, vegetação assim como que selvagem, agreste, rompendo o solo desbragadamente, sem ordem... Mas a paisagem no seu todo é graciosa e resplandecente. Contemplo-te. Acabo por encontrar uma linda cascata, e nela corre toda a simplicidade do teu existir. Apetece-me banhar-me nela para sempre... Outros lugares desconhecidos me esperam, porém. Um deles é o imponente palácio, cujo estilo arquitectónico remonta aos teus projectos futuros, ornamentados com esperanças e ambições... Com o meu olhar de turista curiosa, prescruto cada divisão atentamente, e vou apontando mais umas notas no meu bloco... Como por exemplo, que ali viveram anteriormente algumas rainhas. Umas ocuparam o trono por pouco tempo, outras um pouco mais, consoante a duração do reinado. Imaginei como seria bom viver ali... Quem me dera!

E esta viagem não termina sem antes entrar num magnífico templo, frequentado por tanta gente crente, mas na qual não se pode acreditar... Eu fujo um pouco disso, pois trago fé comigo. Acredita. Curvo-me com respeito e observo serenamente uma outra dimensão que me é ali apresentada... A dimensão do teu toque suave, do arrepio intenso que nasce dele sem avisar, do aconchego que experimento nos teus lábios, na tua língua, nos teus braços... Não me cobraste devoção à entrada, só que eu me sinto no dever de a prestar, neste templo construído nas linhas do teu corpo. De espírito transcendido, alcanço o teu altar, onde prostras um sagrado coração... E que belo que é! Medito. A fé que eu trazia em mim renova-se e fortalece-se perante tamanha grandeza. E crio logo ali a minha doutrina.

Infelizmente chegou a hora de partir. Amei, absolutamente, esta visita guiada. E tanto, mas tanto, que estou a pensar seriamente em fixar residência no tal palácio, e fundar uma nova dinastia. E voltar ao templo as vezes que eu quiser, para professar uma religião há muito negada.

Será que me fazes um desconto especial?

abril 23, 2013

Bagagem

Vou de viagem em breve. E por isso fiz uma lista das coisas que vou levar, para não me esquecer de nada. Primeiro que tudo, vou levar uma bússola daquelas modernas, e irei para onde ela me apontar. Vou levar paz e amor espelhados em tinta acrílica. Vou levar sensualidade nocturna fechada num frasco, daquelas bem cheirosas. Vou levar fogo solto no cabelo qual fénix, leveza nos pés qual Ícaro, sede de maresia e fome de verde. Vou levar “riffs” de guitarra delirantes nos ouvidos, calor terno nos braços, curiosidade nos olhos e amabilidade nos lábios. Vou levar um dragão ao ombro e a minha estrela mágica de estimação ao peito. Vou levar padrões de cornucópias, de flores esvoaçantes e outros que tais a preto e branco. Vou levar a delicadeza e malícia de cetim e renda. Vou levar uma noite mal-dormida... E ponteiros demasiado vagarosos no pulso, contrastando com pulsações demasiado velozes... Vou levar alguma ansiedade e nervosismo, mas nada que o momento não exija... Vou levar a serenidade e a racionalidade de sempre, de mãos dadas com a emoção e o sentimento. Vou levar a verdade e a consequência, languidez e vivacidade, o oito e o oitenta que me compõem. Vou levar a preguiça, a luxúria, a gula e deixar para trás as quatro restantes companheiras que faltam... São dispensáveis...
Bom, penso que está tudo. Ah! Entretanto lembrei-me: para me entreter durante o percurso, vou levar um “puzzle” que está por montar, e que ainda não montei porque creio que falta ali uma peça. Parto com a esperança de conseguir encontrá-la numa loja de “souvenirs”.

abril 22, 2013

Promete-me

Promete-me que não esperarás por mim, mas que irás alcançar-me. Eu não sou tão intangível como pensas. Promete-me que te irás congratular por eu ser real, com todas as minhas fissuras, falhas e estilhaços. Promete-me que me vais ajudar a consertar-me, sem te magoares neles. Promete-me então que vais ter cuidado. Longe de mim pretender que fiques ferido. Por isso te peço: promete-me. Promete-me que não terás medo de me perder. Já me achaste, certo? Tenho a noção de que foi sem quereres... E que isso não se torne desculpa para não me quereres. Promete-me que me quererás, agora, amanhã e depois. Eu vou querer muito isso. Eu vou querer-te. Prometo-me.

Promete-me que me irás ajudar também a recuperar o sabor das estrelas, do ar matinal que ainda ninguém respirou, do entardecer lá ao longe no horizonte e ao mesmo tempo tão perto de nós. Promete-me que te manterás perto, mas oxalá não entardeças e te tornes escuro e deserto como as ruas nas quais ninguém tem vontade de vaguear. Promete-me que vamos vaguear um no outro... E em aromas, gargalhadas e lençóis. Promete-me que vais fazer com que os raios de sol e a brisa quente que emana da terra valham a pena. Promete-me rodopios sob luzes de holofotes, embriaguez de sons vibrantes que nos levam ao colo até ao paraíso, o torpor agradável que toma conta dos nossos músculos depois de vivermos tudo isso de forma condensada somente num instante. Promete-me que vais continuar a justificar as minhas crises de vómitos prosaicos, os meus ataques de devoção sincera, as viagens que faço por entre nuvens de maionese...

Não quero que me prometas o que não possas cumprir. Espero por isso não estar a pedir demais. Mas promete-me que farás tudo isto. E eu te reembolsarei com a respectiva devolução.

Eu te prometo.

abril 21, 2013

Gosto De Ti

Gosto de ti. Desculpa. Sei que estou a cometer uma grande ousadia ao fazê-lo. E essa ousadia seria maior se metesse um "muito" ali pelo meio. Gosto muito de ti. Desculpa porque não te pedi permissão. Nem sequer te avisei com antecedência. Agora já não dá para remediar. Mesmo que retirasse o "muito", de pouco ou nada serviria. Porque gosto de ti. E pronto. Ponto final. Sem reticências nem vírgulas. Os pontos de interrogação também não fazem cá falta. Só se for os de exclamação. Gosto de ti? Isso nem se pergunta! Claro que gosto de ti! Pois gosto. Mas de maneira a não provocar grande celeuma, prometo ser bastante racional acerca deste assunto. Vou tentar não sentir e limitar-me apenas a pensar. Em ti. Vou tentar abstrair-me da tua pessoa, e concentrar-me noutra coisa diferente. Por exemplo... Tu. Vou tentar então não gostar ainda mais, porque aí corro o sério risco de pagar o meu atrevimento com a própria vida, pois vou ter que deixar que entres nela e a tomes de assalto. Não é que eu na verdade me importe... Ora, pensando bem, se eu gosto de ti, é porque de alguma forma tu já a fizeste refém. Mesmo que eu me contenha a gostar ainda mais... Desculpa se o fizer. Continuo a ter uma atitude audaz porque a autorização não me foi dada por ti. Gosto de ti, mesmo assim. Sem ponto final. Porque a seguir não há parágrafos. O discurso se mantém, tão directo como eu. 

Desculpa a sinceridade e a frontalidade, mas... Eu menti todo este tempo. 

Eu afinal não gosto de ti. Gosto é de... Gostar de ti.

abril 19, 2013

Musa

"Tens quarto de poeta" - disse-lhe ela.
Ele guardava ali todos os livros, qual biblioteca improvisada. Talvez não houvesse mais espaço noutras divisões. Mas não eram escritos por ele, nem nada que se parecesse. Talvez o aroma a papel desfolhado e a letras a fizesse assumir que ele tivesse um quarto de poeta.
Havia ali também um piano. De facto não deveria haver mais espaço. Ou então o quarto era grande. Ou então era tudo uma questão de praticalidade - acordava, agarrava a inspiração que acordava com ele, sentava-se e tocava. Só não escrevia, realmente. O sol entrava de mansinho pela janela, iluminando as teclas constantemente percorridas, ora inexperientemente, qual aluno principiante, ora freneticamente, como se fosse ele o magno conhecedor de todas as sinfonias e melodias mais perfeitas que alguma vez foram criadas. Só não era pianista.
Era poeta, assumia ela mais uma vez. E isto porque talvez ele lhe recitava versos em forma de abraços, de beijos, de carícias, poesia declamada com a voz da cumplicidade, do desejo, da sintonia, com a voz da felicidade, arrisco-me eu a dizer. E ele arriscava ao piano, mesmo não sabendo sequer uma pauta específica, ou não querendo saber de todo. Só porque aquela que o ouvia continha todas as notas e variações que ele precisava, tudo tão bem encadeado que ele não teria nenhuma dificuldade em interpretar. Aquela música era única, imaculada, intemporal.

Ele não era pianista, nem poeta. Mas tinha o quarto como tal, segundo ela. Ela, que desconhecia afinal a sua condição de musa.

abril 17, 2013

Fugimos

Faz as malas! Fugimos hoje. Para onde, ainda não sei. Mas fugimos, e isso é certo. Não te demores. Deixa para lá as coisinhas fúteis que costumas usar. Dás-me vontade de dizer que ainda és pior que as mulheres. Deixa o perfume em cima da mesa, porque o que eu quero mesmo é o cheiro da tua pele nua, e a esse nem a fragrância mais cara do mundo consegue igualar. Não te importes com a roupa, porque não vais precisar muito dela. Leva a do corpo e uma ou outra camisola, que eu vou adorar vestir quando estiver a levantar-me da cama. Qual cama? Ainda não sei qual. Mas pode ser uma duna, um pedaço de asfalto discreto de olhares, ou se fizeres muita questão, o colchão velho de uma pensão daquelas bem baratas e rascas, porque nem penses que se vai gastar muito dinheiro em luxos. Não preciso de luxos porque já te tenho a ti. Despacha-te a fazer as malas. Vamos de carro, de comboio, de autocarro, de metro, mas por favor, vamos. O relógio já não aguenta de tanta ansiedade e está prestes a rebentar. Bom, se formos a ver eu também nem vou precisar dele, e tu muito menos. Deixa para lá o relógio. Não percas tempo. Ganha-o. E comigo. Por isso é que fugimos. Vamos deixar o tempo que os outros vivem e criar um só nosso, e consumi-lo até que os nossos corpos e almas e corações e tudo o que mais houver apodreçam na doçura e loucura e aventura que ele trará. Vamos. Pensando melhor, deixa as malas. É que a única bagagem que precisas está em mim. E a minha, em ti. Fugimos hoje?

abril 15, 2013

Caderno

Na minha estante, entre livros já lidos e relidos e uma ou outra enciclopédia que ajuda a decorar os espaços deixados entre eles, guardo um caderno, de papel com tom amarelecido a sugerir séculos de existência, e no qual escrevo mensagens. Aquelas mensagens especiais que vou recebendo por telemóvel, de amigos, amigas e não só, como forma de me lembrar deles. O caderno tem uma capa dura, de cor bege, tal como se fosse um livro. E apesar de não ter título, acaba por ser um livro, que de vez em quando vou lendo e relendo, como os outros. Conhecem aqueles tipos de obras que uma pessoa lê, chega ao capítulo final e fica com vontade de ler de novo, mesmo que já conheça a história de cor e salteado? É mais ou menos isso. A diferença é que este livro ainda não conheceu um capítulo final. Isto porque há sempre mais uma mensagem para colocar. Ponho o nome do remetente, copio o texto tal e qual como me foi enviado, registo a data e inclusive a hora a que o recebi. E aí permanece conservado para a posteridade, em nome daquela máxima muito bonita que diz "recordar é viver".

E nessa posteridade posso encontrar de tudo: provas de amizade, provas de amor, provas de amizade que deixou de o ser, provas que desaguaram em desamor. Coisas que eram do momento e outras que se poderiam tornar eternas, ou ainda o são. Mas essas são raras. E através da leitura de todas essas provas, assisto à mutação daquilo que não é palpável, perceptível ao tacto, mas que um dia o coração, a alma ou o que lhe quiserem chamar conseguiu captar. E daí eu ter agarrado numa caneta e, de telemóvel em punho, ter feito um esforço para que tudo isso se tornasse palpável aos meus olhos e à minha compreensão. Acho que o esforço me foi recompensado, porque ainda hoje, ao abrir o caderno, consigo tocar nessas mensagens e sentir o que está dentro delas, ou estava.

Falta-me só transcrever as tuas, que já me enviaste há imenso tempo e que ainda guardo no telemóvel. Aquela escrita em quatro línguas, a da transferência efectuada no banco dos afectos, a tua inspirada confissão de desinspiração para escrever mensagens, a tua cómica paixão declarada por estados de espírito "zombie"... Coisas que só tu e eu entendíamos. E que me levaram a pensar: "Estas merecem ir para o caderno". Não foram logo na altura porque apeteceu-me tê-las à mão, para ir relendo e gravando na minha memória afectiva. Não me dá muito jeito andar com o caderno atrás...

Embora esses curtos textos já não sejam aquilo que foram, eu vou escrevê-los no caderno à mesma. E vou tocar muito neles. E sentir o que está dentro deles. Ou estava. Quem sabe até se não poderá voltar a estar...

abril 14, 2013

O Barco

Agarrei num pequeno pedaço de papel escrevinhado, à partida inútil. E na minha sapiência infantil, fiz dele um barquinho, o mais perfeito e bonito que consegui. Fiquei a olhar para ele. Palavras e palavras rabiscadas anteriormente conferiam-lhe um aspecto interessante, muito mais apelativo do que se eu o tivesse feito usando um papel em branco. Palavras essas que se cruzavam nas dobras e misturavam-se, sendo agora impossível lê-las. No entanto sei que elas estavam lá. E o seu significado também.

Pus o barquinho na água, pronto a navegar, ele e as palavras todas. Mas o barquinho cedeu à superfície e amoleceu. Desfez-se e afundou-se. Nem as palavras nele escritas lhe valeram.

Fiquei triste. O pedaço de papel não era tão inútil assim.

Concluí que, por mais palavras, e frases e afirmações que existam, de nada servirão se não houver superfície estável que as receba, que as segure e ao mesmo tempo que as deixe seguir o seu curso. Não era minha intenção fazer com que o barquinho se afundasse. Será que foi o peso das palavras? Mas elas, cheias de tanta vontade própria em seguir o seu curso - tal como eu as conheço - não deveriam querer tal coisa.

Para a próxima faço um barquinho de papel com uma folha em branco, maior e tudo. Pode ser que dessa vez ele siga feliz, contente e livre até ao seu porto.

abril 11, 2013

Nove Dígitos

Toca o despertador do telemóvel. Acordo e apercebo-me que já devia ter tocado há 15 minutos atrás. Acabei de "queimar" um quarto de hora, como manda a tradição. Levanto-me, olho através da janela e assisto a um tímido nascer do sol que nem me lembrava que existia. Será que hoje vai chover outra vez?

Vou ao WC, depois à cozinha. Preparo o leite e as torradas do costume. Entretanto lanço um olhar momentaneamente interessado aos folhetos publicitários que ontem atafulharam a minha caixa de correio. Coisas muito giras, mas que não combinam com o magro recheio da minha carteira. Coisas muito deliciosas, mas que não combinam com o desejo de me manter igualmente magra, pois tenho a certeza que o longínquo Verão promete.

Acabo de comer, acabo de me arranjar. E segue-se a minha pequena sessão de "jogging" matinal; saio de casa a correr, porque mais uma vez o autocarro saiu do terminal antes da hora. Ou então sou eu que estou mesmo atrasada. E a culpa é daqueles malditos 15 minutos. Com sorte lá consigo apanhar o transporte. Esbaforida, sento-me e encosto a cabeça ao vidro, fechando os olhos. Dirijo-me à estação do metro, mais um cabecear, depois cumpro o habitual percurso a pé. Percorro-o, mas no fundo estou noutro lugar. Mesmo assim sei que ainda não choveu.

Apanho o último autocarro e entro no meu local de trabalho. "Bom dia" a todos, visto o uniforme e inicio a preparação dos produtos que vou vender ao balcão. Chegada a hora, coloco-me atrás do dito. Atendo o primeiro cliente do dia. Vem outro, e depois outro e outro. E a todos ofereço o meu melhor sorriso mecânico, um contacto visual directo que faz parte do processo e linguagem formatada para os conseguir convencer a voltar, tudo isto com boa educação - natural, diga-se de passagem. Alguns correspondem, outros nem por isso. Quero é que eles se lixem.

Eis que chega a minha pausa para almoço. Também eu vou poder disfrutar de uma refeição. Devoro-a em três tempos, tal é a fome. Volto para o balcão, mais um menu, mais uma bebida, mais uma sobremesa, mais um cliente parvo que reclama e deve ser porque o dia não lhe está a correr bem. Estou quase a sair dali, felizmente. Saio, dispo o uniforme e lá vou eu a correr de novo para apanhar o autocarro. Isto é conspiração, só pode. Ainda por cima começou a chover. Bem que me apetecia ir para casa, mas devo ir ao ginásio. E o mesmo ritual que cumpri de manhã repete-se, só que desta vez o uniforme é outro. E os únicos clientes aos quais devo atender são os músculos, que me agradecem a simpatia e a gentileza de os ter posto a trabalhar.

Treino, banho, autocarro. Finalmente, estou em casa. Janto a sopa da praxe. O cansaço vai aparecendo de mansinho. E eu não me dou por vencida. Porque ainda me falta fazer algo.

Nove dígitos. Bastam nove dígitos para mergulhar numa espécie de doce amnésia há muito ansiada. A tua voz. O teu timbre maduro, alegrado com aquele teu sotaque bem-disposto. As tuas piadas. As peripécias do teu dia de trabalho. A tua ternura. A fantasia com que enfeitas as descrições acaloradas do que ainda está para vir entre nós dois. Não me apetece dormir, apesar do cansaço. Apetece-me ouvir tudo o que tens para me dizer, mesmo que seja insignificante.

De súbito me esqueço daqueles 15 minutos. Do cliente parvo. Da chuva. Das provas de atletismo improvisado que uso para cumprir com horários e rotinas. Mas não me esqueço do Verão que promete. Aquele que me vai levar até ti. E que no fundo, já não está assim tão longínquo.

abril 08, 2013

Online

- Estás muito contente... Que se passa?
- Estou contente porque estou a falar contigo, porque estou de folga e estou a falar contigo, porque estou a pintar e estou a falar contigo, porque estou a comer Corn Flakes e estou a falar contigo...
Ah... E porque estou a falar contigo.

abril 03, 2013

Idílio

Saudades. Ânsia. Desejo. Ternura. Tu e eu frente a frente no cais. O sol a bater-nos na pele. Perfume na tua. O meu vestido na noite. O "Blue Velvet" da Lana misturado com luar. O amanhecer. O asfalto.

Tu. Eu. Nós. Simplesmente. Mesmo que não se explique.

abril 01, 2013

Não-Pendente

De vez em quando, lá vou vendo os teus olhos.
Olhos que classifiquei "de mel".
Tu assim o disseste, na verdade.
Tinhas olhos de mel. Olhos doces.
Olhos doentes.
Eu li-os. E vi que havia gente. Mas estavas sozinho.
Olhos dementes...
Olhos que afinal, nada procuravam.
E eu que lhes queria fazer companhia. De uma vez por todas.
Olhos por muito tempo ausentes.
De um olhar que afinal se revelou não-pendente.
Nem de mim. De mais alguém?
Fiquei por saber.

Que encontres então
Quem consiga gostar mais desses olhos cor de mel
Do que eu.
E que os contemple
Mais do que eu poderia contemplar.
No fundo, que tenha a sorte de os conhecer.
Porque essa, infelizmente,
Eu não tive.

E ainda assim
Lá vou vendo os teus olhos
De vez em quando.

março 04, 2013

A Virgem e os Apóstolos

Na noite da consumação, os Apóstolos aguardavam em redor da mesa. A Virgem entrou na sala, coberta com um manto. Em silêncio o retirou, pondo a descoberto a sua nudez. Subiu para cima da mesa, deitou-se e disse:
"Tomai todos e comei. Isto é o meu corpo, que será entregue a vós".
Foi então que eles a devoraram, famintos de luxúria. Rasgaram-lhe a pele branca, dilaceraram-lhe a carne e beberam do seu sangue. Todos o fizeram, à excepção de um, que se manteve afastado. Perguntaram-lhe:
"Irmão, não quereis vós partilhar deste repasto?"
Ao que o Apóstolo respondeu:
"A carne é apenas carne. Partilhai-a entre vós, pois eu prefiro a alma, e essa é eterna".
E retirou-se, deixando os restantes surpresos. Como não tinham compreendido, zombaram dele e desdenharam-no.
Três dias depois, e sem que ninguém soubesse, a Virgem apareceu à porta de casa do Apóstolo que a tinha negado. Este ficou pasmado ao vê-la inteira, com toda a sua delicada beleza.
"Não temas" - pediu-lhe ela, - " vim cumprir com a Palavra Divina".
Perante o olhar incrédulo do Apóstolo, continuou:
"Resignaste-me diante dos teus semelhantes e por isso eu me consagro a ti, porque aos teus olhos a minha alma vale muito mais do que o meu corpo".
Em verdade Ela vos diz: a matéria pertence a muitos, mas só a merece quem lhe descobre a Essência.