setembro 11, 2013

Eutanásia

Entrei no quarto branco, frio, a tresandar a éter. Ali estavas tu, deitado, de olhos fechados, a dormir. Desta vez, resolvi não fazer a habitual vigília.

Todos os dias, eu cumpria com a minha parte - sentava-me a teu lado, observando-te, ora rejubilando com cada sinal de vida que davas, ora entristecendo-me quando parecias estar mais inerte. Infelizmente, o teu estado não era constante. Eu vivia de coração sobressaltado, querendo alcançar o compasso das batidas do teu. Recordo-me de todo o fulgor que possuías quando te conheci, e que me cativou de uma tal forma que eu dava tudo para o alimentar. Até que, a certa altura, tu próprio deixaste de o ter. Desfaleceste perante mim; não tinhas grandes hipóteses de sobreviver. Ao invés de ter esperança do contrário, assumi perante mim a veracidade dos factos: mesmo que voltasses à vida, não serias o mesmo aos meus olhos. 

Tomei a decisão mais sensata que podia - colocar-te em coma induzido, e tentar libertar-me do peso que sentia permanentemente nos ombros. Mergulhei-te, afundei-te até onde pude, até onde uma parte de mim quis, até onde não pudesse mais sentir-te, conter-te... Iniciei então uma nova caminhada, enquanto continuavas ligado a máquinas e tubos. Até que, certo dia, a outra parte de mim quis conter-te de novo. Retirei-te do coma, abristes os olhos... E entretanto o meu pior receio confirmou-se... Afinal, tinhas realmente deixado de ser o mesmo. Não mais deste sinal de verdadeira vida. A cadeira onde eu me sentava a vigiar-te tornou-se demasiado desconfortável.

Por isso, desta vez, foi diferente. Contemplei-te por uma última vez. Agarrei na seringa, determinada. Não pensei muito. Introduzi a agulha afiada no teu braço. Não reagiste. Há quanto tempo estarias realmente inerte?...

O líquido letal tomou conta das tuas veias, da tua carne, da tua alma. Consegui vê-la deixar-te. A alma que eu tanto almejava para comungar com a minha em harmonia eterna.

Não derramei uma lágrima sequer. Estava feito. Ponto final. Só depois é que pensei que poderia haver 1001 razões para viveres, mas apenas uma para morreres, e eu tinha optado justamente por essa.

De súbito, alguém bateu à porta do quarto e abriu-a devagar. Do outro lado, ouvi uma voz:

"Então, já está?"

Reconheci-a e sorri. "Sim... Estou livre", respondi. 

E saí porta fora, abandonando-te naquele quarto, branco e frio, ao qual não voltarei mais. Nunca mais.

Descansa em paz.

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