outubro 04, 2014

Ante-Mortem

Deito-me sorrateiramente ao seu lado, quase a cair da cama. Enterro a cara na pele quente das costas, sinto-lhe aquele cheirinho de perfume, quero conservar esse cheiro com todos os meus sentidos antes de morrer.

Eu vou morrer.

Lembro-me do John Legend, "all of me loves all of you" - "esta é para ti", lágrimas tímidas. Acreditei e chorei também. Faço dessas as minhas palavras. Mantenho os olhos bem abertos enquanto penso nisto, não os fecho porque não consigo dormir. E se antes dormir era a única coisa que não doía, agora nem isso.
 
Lá está ela a engraxar, a armar-se, tinha que vir para aqui escrever estas merdas tão verdadeiras. Tu não sabes. Não sabes nada de nada. Nunca vais saber o que é que eu tinha aqui. Uns olhos de esmeralda com mel que me alimentavam, e é incrível que mesmo estando fechados no mais profundo sono, eu gostava de olhar para eles e ver as pestanas lindas e compridas a mexerem-se languidamente... Sabiam que quando estamos a dormir, eles mexem-se na mesma? E não será amor ou algo tão maior quanto isso observar estas futilidades que para mim valem tanto? Ou serei eu parva por dar valor aos pequenos detalhes que fazem grandes as coisas?

O cheiro, o cheiro, o cheiro, eu quero cheirá-lo sempre, ver as pestanas a mexerem-se estando os olhos fechados, ver as veias do pescoço a latejar, os dedos dos pés, os contornos do nariz e o queixo, esborrachar a minha cara toda na pele quente das costas ou do peito, uma suavidade que só mesmo eu é que entendo.

Eu quero todas estas insignificâncias. Só não queria era morrer.