maio 08, 2015

Meio Século

Fizeste 50 anos.

Ainda moras na mesma casa. Aquela casa tua, grande, com vista para o rio e as duas margens que beijam ininterruptamente o céu. Aquela casa cuja porta se abriu inúmeras vezes para quem tinha histórias novas e interessantes para contar, tal como se fechou quando ficaste aborrecido de tanto as ouvir.

Ainda se mantém tudo praticamente no mesmo lugar. Talvez haja um sofá de cor diferente, o mais recente filme de culto na estante, talvez tenhas dado entretanto uma nova demão nas paredes. Talvez haja mesmo o perfume da musa do momento a pairar no ar.

Talvez estejas um pouco cansado. Mas por outro lado, sentes-te cumprido. Observas-te ao espelho e passas a mão pelo cabelo; está mais grisalho que nunca. As rugas pronunciam-se a viva voz na esqualidez do teu semblante. Apesar disso, ainda não perdeste o charme. Nem mesmo o peso de meio século de vida que agora transportas nos ombros te tirou o brilho meigo dos olhos.

O teu filho tornou-se um adolescente moldado à tua imagem - inteligente, aventureiro, curioso. Faz-te lembrar o teu eu em versão chavalo. Não tarda também andará por aí a arrancar suspiros às miúdas. Orgulhas-te de tudo o que se tornou ao crescer. Ele é somente a perpetuação do teu sangue.

E tu tornaste-te num cinquentão. Ainda fumas, como sempre. Ainda fazes manguitos quando é preciso e para quem for preciso. Ainda sorves o teu cálice de vinho ou o teu copo de cerveja, que agora até te sabem melhor. Ainda olhas para o mundo com visão crítica e por vezes sarcástica. De vez em quando os teus alter-egos se cruzam e dizem um olá. Acredito que eles te tenham acompanhado até agora, sem no entanto envelhecer.

Fizeste então 50 anos e agora é que é. Agora é que estás preparado e disposto a viver aquilo que foste adiando, quem sabe com uma mochila às costas. Serenamente e sem pressa, com a sabedoria própria da idade. Agora tens todo o tempo que precisas. Eu, aqui armada em futuróloga, sei que vai ser assim. Por meu lado, não sei onde estarei. Aliás, nem sequer sei se estarei... Mas não me importava nada de estar no tal sofá, com o filme em punho, à tua espera para o podermos ver juntos, mesmo que não fosse de culto (já não se fazem tantos desse género como antigamente). Que o perfume fosse o meu. Não me importava até de te observar enquanto te observasses ao espelho.

E tudo isto mesmo não tendo uma história nova e interessante para te contar. É que também eu irei para velha... Só eu; o meu amor não.

maio 05, 2015

Fome

Entre mim e a fome
A diferença é nula.

A fome não faz falta.
Quando sentida, se preenche sempre
Quanto mais não seja com algo que a cale por breves minutos
Com qualquer coisa que aconchegue. Que a tranquilize.

Sinto que faço tanta falta quanto ela.

A fome não faz falta nenhuma.
Seja ela qual for.

Eu não te faço falta
Mas tu fazes-me.
Fazes-me crer que entre mim e a minha fome
A diferença é tudo.

A diferença és tu.