março 04, 2021

Das Rosas

Conto pelos dedos das mãos
Os espinhos que me feriram 
Das rosas que colhi 
Das rosas que quis escolher. 
Pois se as rosas têm espinhos 
Mais vale ficarem onde estão 
Antes que isso me custe 
O preço do resto da carne.

outubro 02, 2019

Uma Mulher Amada

Uma mulher amada é um dos mais interessantes conceitos. Ela não é nascida há muito tempo, no seu tempo, como se supõe; ela só nasce depois de amada. Ou melhor, renasce. E quando o faz, se permite possuir um privilégio único: para cada mil defeitos, prevalece ainda mais forte uma virtude.

Uma mulher amada desenvolve o dom da ubiquidade: consegue estar na casa onde habita, e ao mesmo tempo ocupar aquela que lhe pertence por direito dentro de alguém. Consegue ainda transformar qualquer reflexo da sua imagem no mais belo de todos, embora na verdade não precise de se olhar ao espelho. Uma mulher amada não precisa de espelhos ou outras coisas fúteis.

Uma mulher amada não precisa de aprovações. Nem de juízos ou razões. Principalmente de razões para ser amada. Aquilo que faz dela o que ela é não é tido nem achado na complexidade da mente. Uma mente mente mais do que um coração.

E o coração de uma mulher amada é um pássaro em pleno vôo, sem medo de ser abatido; ter tocado o céu já fez valer a pena a viagem.

janeiro 09, 2019

Estendal

"Deixei o meu coração no teu estendal".

A frase não é minha nem é tua. O resto sim.

Deixei então o meu coração no teu estendal. Prendi-o firmemente para que o vento não o levasse. Porque ele é leve, e o vento nem assim tanto...

Estava amarfanhado, molhado de mágoa. O teu beijo veio como o sol e aqueceu-o.

Ele continuou estendido, colorindo o ar, e os pássaros curiosos tentaram chegar perto. A brisa do teu abraço afugentou-os.

O relógio foi marcando o compasso dos dias... Porque o tempo passa, e o sentimento nem assim tanto...

Outros sóis, outras brisas ficaram por passar... Por ele ali estendido, arrefecido, bicado, esquecido.

Já que deixaste o meu coração no teu estendal... Apanha-o antes que chova.

dezembro 08, 2018

Estrelas

Ele tinha a mania de contar as estrelas. Até que alguém lhe perguntou:

"Porque é que contas as estrelas?"

"Porque quero saber quão grandioso o Universo é."

E lá lhe disseram: "Então não percas tempo a contá-las... Contempla-as."

março 02, 2018

Tudo Passa

Tudo passa.

O choro, a chuva, o golpe da faca.

O vento que arrasta a folha para longe.

Tudo passa.

O frio. O calor que marca a pele após um beijo.

A sombra. O perfume ainda no fundo.

A nicotina que arde em cinza e o fumo.

Tudo passa.

A espuma da onda. A própria onda.

O barco que a esmaga.

O sabor do sal na língua e do sol na face.

O tempo, claro.

Tudo passa.

A água que passeia no leito.

O olhar que me atravessa na rua.

Aquela vela que ardeu ainda hoje.

As dores e o sangue.

A vida.

Tudo passa.

Tudo passa.

Tu ficas.

fevereiro 26, 2018

O Meu Nome É Zero

Se tens decidido esquecer-me
E negar-me ao pensamento
Dói sentir que te perco
Neste e a todo o momento.

Quero atrasar os ponteiros
Limpar as águas do céu
Aquelas que me inundam os olhos
Aqueles que te chamam de meu...

Convoco a melancolia
E deito-me à sua espera
É disforme, pesada e fria
Mas é-me ao menos sincera.

O espelho no qual acredito
Grita aquilo que eu não quero
Deixei de ser infinito
Agora o meu nome é zero.

fevereiro 14, 2018

In Caelis

Certo dia um jovem entrou no templo procurando o Mestre. Precisava de amparo porque ultimamente não se entendia com aquela a que o seu coração decidiu chamar de sua.
“Dói-me por dentro… Não ouso sequer pensar que a posso perder.”
Depois de ouvir o jovem, o Mestre perguntou:
“- Alguma vez reparaste no Sol e na Lua?”
“- Claro… Difícil será não reparar.”
“- E alguma vez reparaste no Sol e a Lua a brilharem juntos, lado a lado?”
“- Não, Mestre… Tal é impossível!”
“- Pois a Lua espera que o Sol se ponha para aparecer e assim iluminar a noite, e por seu lado o Sol espera que a Lua recolha para conceber mais um dia…”
Perante a expressão interrogativa do jovem, o Mestre prosseguiu:
“- Saberás então que, desde que o Homem se toma por mortal, Sol e a Lua nunca se cruzam; tal como fogo e água, divergem por natureza… Contudo, um não pode existir sem o outro.”
O rosto do jovem serenou. Disse-lhe o Mestre, olhando fixamente:
“- Ainda que te cubras de nuvens espessas e tua amada se esconda na fase nova, lembra-te que tu e ela se completam.”

setembro 13, 2017

Conclusão

Olho para as minhas mãos e concluo que elas só fazem sentido quando passam pela tua cabeça enquanto dormes

Quando no fundo te encontram.

setembro 05, 2017

Quadra Ígnea

Toma este fogo tão meu

Que me brota do coração

Para incendiar o teu

E queimá-lo de paixão...

setembro 04, 2017

Conto

Era uma vez o Caos

Que casou com a Anarquia

Conceberam o Pânico

E viveram temidos para sempre.

setembro 02, 2017

Nostalgia

Já era noite cerrada quando ela saiu do edifício onde passara as últimas oito horas do seu dia. Noite cerrada e frio, um frio de rachar e chuviscos que a faziam precipitar-se a passos largos para as escadas que haviam de abrigá-la, ela com um parco capuz, desprotegida, a caminhar em direcção a mais uma carruagem. Tudo lhe sabia a cansaço naquele momento. Mas sabia que nos olhos dele havia sempre Verão.

setembro 01, 2017

Bocados

Apetece-me escrever, como há muito não fazia. Não me lembro da última vez que escrevi algo, contudo lembro-me que aquele papel onde despejei sinceros desabafos acabou desfeito em bocados. Guardei-os na minha gaveta, à espera que um dia se reconciliassem uns com os outros. Mas não. Devem ser como eu, que quando não gosto de algo ou esse algo não interessa, pura e simplesmente ignoro. Foi isso que aconteceu. Os bocados ignoraram-se uns aos outros, até chegarem ao ponto em que realmente não estavam a fazer nada na minha gaveta e foram para o lixo. E lá foi um texto com o caraças.

Ou foi isso, ou então quem realmente ignorou o que quer que seja foi quem os concebeu. Os bocados de papel, entenda-se.

Talvez eu também deva ignorar mais vezes. Mas sem ser ignorante.