outubro 25, 2013

Assim Seja Também

É muito bonito dizê-lo, mas ainda é mais bonito senti-lo. Descrentes o maldizem, medrosos não o conhecem, os austeros de espírito o desvalorizam. Eu, contudo, o vivo, contra todas as correntes. E senti-lo não é só bonito; é provar o sal da vida, que por sua vez funciona como mel para a alma...

Assim sendo, que eu to possa dizer, sempre que me apeteça, sempre que me recorde que a tua existência o justifica plenamente. Mais do que dizer-to, que eu tenha capacidade de o demonstrar todos os dias, e através do mais imperceptível dos gestos e dos pensamentos que vou revelando, pois sou um livro aberto, e tu és, neste momento, o mais belo capítulo que eu poderia redigir. Um capítulo que há-de ter inúmeras linhas, cheias de verdade e beleza, dignas daqueles romances que enchem estantes um pouco por toda a parte.

Que ele esteja presente no chão que pisamos, nas ideias que trocamos, nos milhentos olhares cúmplices e silenciosos que direccionemos um ao outro. Que esteja presente no presente e no futuro, que é o que realmente importa. Que te torne importante, mesmo que tu já o sejas. E se estiver presente no passado, que nos traga apenas as recordações mais doces que nos trouxeram para o que somos agora.

Que seja sempre sério e verdadeiro. Que eu o possa alimentar em cada instante que passa, como se no fundo esta fosse a minha única missão. Que ele cresça, que floresça e frutifique em abundância, sem ervas daninhas... Que tu o possas ver esse crescimento, entendê-lo e confirmá-lo dentro de ti. Que ele cresça tanto que não me caiba mais no peito, que expluda, que alastre e dê cabo de mim, de ti e de nós, para que nos possamos renovar nele continuamente... Eu quero, eu quero e eu quero. Eu quero-te, eu quero-te e eu quero-te.

Porque eu amo-te.

outubro 23, 2013

Piano

Sento-me perante ti. Percorro-te lentamente com o meu olhar. Antigo, possante, de sábia calma, fresco, um tanto ou quanto frágil, frenesi ocultado. Reúnes tudo. Notas agudas e graves repartem-se pelas teclas brancas, pontuadas pelos meios tons que as teclas pretas revelam pelo meio. Tudo ao dispor para uma sinfonia completa. Vai ser desafiante; ninguém me ensinou a tocar. Ainda assim, me familiarizo com elas. Como se na verdade tivesse tido uma preparação prévia, nem que tivesse sido em sonhos; consta que é assim que os génios da música compõem. Não pretendo ser um génio. Apenas quero pôr em prática aquilo que posso saber. Ou até sei.

Estico os meus dedos delgados. Toco-te. Toco-te ao de leve, devagar. O primeiro som que me sai é grave, gutural, pouco trabalhado, no fundo. Não me assusto, nem desisto. São só as primeiras teclas. Uma a uma, vou-te explorando, sem pressas, como se não te quisesse corromper. Quero-te aprender, apenas... Dá-me tempo. As primeiras notas são uma espécie de choro... De drama... São tristes. Ora, ainda estou no princípio. Ainda me falta percorrer as outras, e são tantas. Já para não falar nos meios tons, que me despertam curiosidade. Continuo a tocar-te... Experimento-os. Forço naturalmente o equilíbrio que deve haver entre as notas.

Pausadamente, lá vou passando para as mais agudas... São de facto mais alegres, mais leves... Os meus dedos pronunciam-se: já te conheço tão bem. E só comecei a tocar-te há pouco. Confesso que eles não estavam propriamente treinados, mas isso era aquilo que eu pensava que sabia... Lá no fundo, eu sabia. Que podia extrair de ti uma tímida junção de Dós e Sóis, de Lás e Sis. Atabalhoada, eu sei... O típico início, afinal, de todas as coisas perfeitas. Quantas e quantas pautas terão sido rasgadas neste mundo antes de o seu fruto brotar para o nosso deleite auditivo?

Repito: não quero ser um génio da música. Não quero mostrar nada para plateia alguma. Não me quero sequer convencer que possa existir outras teclas pretas e brancas. O que eu quero é continuar a tocar-te. A ouvir os sons que produzes. A equilibrar com mestria os teus agudos e graves. Acredito que todas as peças que estão por ser criadas serão magistrais, sem haver mais ninguém na orquestra. E tudo isso com todo aquele prazer que obtive da primeira vez que me sentei perante ti e te percorri com o olhar.

outubro 18, 2013

Casa

Nada me é estranho. Nada me causa desconforto. Nada ali me faz querer não pertencer. O chão de ocre que se distende em direcção à luz imensa, que o inunda, que se espelha para todo o restante espaço... Para lá da luz, um outro espelho, elementar, emoldurado por tons de terra e alvura, pacatos. A ponte de metal lá ao fundo, de aspecto austero e imponente, todavia não me metendo medo, pois tantas vezes a atravessei... A imensidão do céu azul, uma lufada de ar fresco e novo na alma. Sustenho a respiração. Piso o chão, sem deixar de contemplar tudo aquilo. Naquele chão onde sei que hei-de dançar, deambulear, amar, quem sabe deitar-me nele e fundir-me no espelho. Ali ao lado está um cavalete... Nem de propósito. O pretexto perfeito para imortalizar em linho as sensações que absorvo. Uma ou outra gaivota me sobrevoa. Tão longe dali, e tão perto. A grande mesa de vidro aguarda por sensata luxúria... A lareira sequiosa de não dar a mais absoluta trégua a noites de chuva e frio. Se me voltar para o mesmo lugar de onde vim, dou de caras com um canto mais recôndito, mas igualmente merecedor de luz, de espelhos, de céu azul. De abraços, de risos, de janelas abertas nas manhãs domingueiras e solarengas. De cheiros de velas, de vapor de água quente, de livros, de momentos relaxantes, de arte em todas as suas formas. De crenças de que o caminho realmente é para a frente. E novamente volto ao chão de ocre, e naquele momento sinto os espaços como unos. Não me são estranhos ou desconfortáveis. Eu já ali estive, sem nunca ter estado.

Bem-vinda a casa.

outubro 16, 2013

À Letra

És muito para mim. O normal seria arranjar um adjectivo para pôr no meio e tornar esta frase mais completa e com mais sentido. Em vez de adjectivos, poderia inclusive encontrar outros termos, ou comparações metafóricas, fazendo a vontade à razão e deixando que ela se tornasse a tradutora de um coração que fala aquela tal língua que muitos estudam mas poucos entendem. Poderia falar de coisas complicadamente simples tais como o elevado grau de apetecibilidade denunciado pela tua forma esteticamente interessante e intelectualmente estimulante de ser. E neste caso, o coração franziria o sobrolho, como quem acha que o intérprete anda ali a meter os pés pelas mãos, quando afinal o que ele quer é transmitir o que é dito de uma maneira mais eloquente e prestigiada. Não compliquemos de facto as coisas. És muito para mim, e quero que sejas ainda mais. Sem adjectivos, porque na verdade eles se perderam na tal tradução. Só quero que sejas muito mais esse muito, que o coração discurse sem parar e tanto e com tanto de si que a razão desista de se intrometer e se retire do outro palanque, por não haver, na verdade, palavras que valham. E na verdade, eu quero que esse muito seja ainda mais muito e ainda melhor. E quero não conseguir explicá-lo nunca. Desde quando é que se explica o que não se pode entender?

Quero só que sejas muito para mim. Como já o és, literalmente.

outubro 15, 2013

Flash

Pensamento: tu deitado ao meu lado na cama. Luz do candeeiro a delinear-te o perfil. Estás silencioso e contemplativo. Depois viras a cara para mim e olhas-me com esses olhos de mel. Ficas ali a fitar-me por uns instantes...

E é "só" isto.

outubro 10, 2013

Fisiologia

És mesmo um homem bonito. Fotos que já me mostraste comprovam. Tens aquela beleza madura e serena mas ao mesmo tempo arisca... Os teus olhos mesclados são demais, depois tens umas pestanas longas que tornam o teu olhar doce e meiguinho, gosto do teu queixo, nariz e sobrancelhas, todos eles com personalidade, tens um sorriso maroto, já para não falar da tua pele fina mas super-macia e quente, e de todas as linhas que constroem o teu peito, abdominais, costas... Não ligo muito a rabos masculinos mas tens um "pedaço" de rabo, pequeno e discreto mas musculado... A pernoca também é boa, magra mas atlética, o formato do teu cabelo "está lá"... E se juntares tudo isto ao teu interior... Ainda te perguntarás porque te amo tanto?...

outubro 04, 2013

Agenda Perpétua

Agarro na minha agenda. Capa discreta, formato elegante, páginas muito brancas, com as horas, os dias, as semanas e os meses e as fases da Lua e tudo o que demais houver para fazer da agenda uma agenda. Folheio-a. Brotam números, muitos números. Estou a ver os que correspondem ao dia de amanhã. Consulto o que tenho apontado lá. Hum, imensas coisas... Apercebo-me que de facto sou uma rapariga muito ocupada. Ora, de manhã... Acordar contigo no meu pensamento... Perdurá-lo pela manhã fora, enquanto me visto, me arranjo, enquanto tomo o pequeno-almoço. A seguir, desejar-te um bom dia, tão bom quanto tornas o meu. Desejar estar contigo, nem que fosse só para te olhar em silêncio. Invejar a água que te deve estar a percorrer o corpo naquele preciso momento. Invejar também a chávena que levas aos lábios e a colcha à qual te aninhaste na noite anterior. Depois, é altura de ir trabalhar e de ir-me lembrando de ti... E depois da pausa para o almoço, continuar a lembrar e... Espera, na pausa do almoço há uma nota aqui escrita que diz que tenho que me lembrar de ti também. A seguir ao trabalho, o que é que eu tenho para fazer? Hum, ir ao ginásio... Pois... Um mal necessário. Uma hora de treino, ou um pouco menos. A agenda recorda-me que nessa altura, enquanto o meu físico se exercita, o meu psicológico deve devanear pelos dias em que partilhámos o sol, a lua, as calçadas, as pedras frias dos monumentos, a loiça de pratos e copos e talheres, aquelas coisas que aos olhos dos comuns mortais não significam nada. Os dias em que te vi, ouvi, cheirei, degustei e toquei. A seguir ao treino é altura de ir para casa, diz a agenda. E aí as tarefas também não são muito diferentes. Para além de jantar e preparar as coisas para o dia seguinte, há que ler-te, ouvir-te, sentir-te à minha maneira, e continuar a invejar as coisas que provavelmente leste e ouviste enquanto o dia decorreu. E quando me for deitar, continuar a ter-te no pensamento para que na manhã seguinte ainda estejas lá. Pronto, está feito. Basicamente é isto. E se for a ler o dia seguinte, todas estas notas lá estarão escritas, com toda a certeza.

A minha agenda, contudo, não é perfeita - tal como eu. E ela ainda desconhece notas que, por mim, escrevia já neste instante. Do género, acordar contigo ao meu lado, e não só naquele dia, mas todos os dias. Fazer parte da água, da chávena e da colcha. Continuar a partilhar contigo o sol, a lua, as calçadas, as pedras, as loiças e tudo o resto. Que o ver-te, ouvir-te, cheirar-te, degustar-te e tocar-te permaneça em todas as folhas. Continuar a ler-te quando a noite chega, e ouvir-te e sentir-te, mas desta vez à nossa maneira, visto que continuarás a fazer o mesmo comigo... E quando me deitar, verificar que te deitas também, ao meu lado, e por isso não te teria só no meu pensamento, mas no meu corpo e no meu espírito.

E é por tudo isto que na verdade não tenho agenda nenhuma. Na verdade, está tudo apontado cá dentro de mim. Uma espécie de agenda interior... E perpétua. Daquelas que não tem horas ou dias, nem semanas, nem meses nem o raio das fases da Lua. Apenas te têm a ti. E a noção de que temos muito para fazer. Temos.