outubro 04, 2013

Agenda Perpétua

Agarro na minha agenda. Capa discreta, formato elegante, páginas muito brancas, com as horas, os dias, as semanas e os meses e as fases da Lua e tudo o que demais houver para fazer da agenda uma agenda. Folheio-a. Brotam números, muitos números. Estou a ver os que correspondem ao dia de amanhã. Consulto o que tenho apontado lá. Hum, imensas coisas... Apercebo-me que de facto sou uma rapariga muito ocupada. Ora, de manhã... Acordar contigo no meu pensamento... Perdurá-lo pela manhã fora, enquanto me visto, me arranjo, enquanto tomo o pequeno-almoço. A seguir, desejar-te um bom dia, tão bom quanto tornas o meu. Desejar estar contigo, nem que fosse só para te olhar em silêncio. Invejar a água que te deve estar a percorrer o corpo naquele preciso momento. Invejar também a chávena que levas aos lábios e a colcha à qual te aninhaste na noite anterior. Depois, é altura de ir trabalhar e de ir-me lembrando de ti... E depois da pausa para o almoço, continuar a lembrar e... Espera, na pausa do almoço há uma nota aqui escrita que diz que tenho que me lembrar de ti também. A seguir ao trabalho, o que é que eu tenho para fazer? Hum, ir ao ginásio... Pois... Um mal necessário. Uma hora de treino, ou um pouco menos. A agenda recorda-me que nessa altura, enquanto o meu físico se exercita, o meu psicológico deve devanear pelos dias em que partilhámos o sol, a lua, as calçadas, as pedras frias dos monumentos, a loiça de pratos e copos e talheres, aquelas coisas que aos olhos dos comuns mortais não significam nada. Os dias em que te vi, ouvi, cheirei, degustei e toquei. A seguir ao treino é altura de ir para casa, diz a agenda. E aí as tarefas também não são muito diferentes. Para além de jantar e preparar as coisas para o dia seguinte, há que ler-te, ouvir-te, sentir-te à minha maneira, e continuar a invejar as coisas que provavelmente leste e ouviste enquanto o dia decorreu. E quando me for deitar, continuar a ter-te no pensamento para que na manhã seguinte ainda estejas lá. Pronto, está feito. Basicamente é isto. E se for a ler o dia seguinte, todas estas notas lá estarão escritas, com toda a certeza.

A minha agenda, contudo, não é perfeita - tal como eu. E ela ainda desconhece notas que, por mim, escrevia já neste instante. Do género, acordar contigo ao meu lado, e não só naquele dia, mas todos os dias. Fazer parte da água, da chávena e da colcha. Continuar a partilhar contigo o sol, a lua, as calçadas, as pedras, as loiças e tudo o resto. Que o ver-te, ouvir-te, cheirar-te, degustar-te e tocar-te permaneça em todas as folhas. Continuar a ler-te quando a noite chega, e ouvir-te e sentir-te, mas desta vez à nossa maneira, visto que continuarás a fazer o mesmo comigo... E quando me deitar, verificar que te deitas também, ao meu lado, e por isso não te teria só no meu pensamento, mas no meu corpo e no meu espírito.

E é por tudo isto que na verdade não tenho agenda nenhuma. Na verdade, está tudo apontado cá dentro de mim. Uma espécie de agenda interior... E perpétua. Daquelas que não tem horas ou dias, nem semanas, nem meses nem o raio das fases da Lua. Apenas te têm a ti. E a noção de que temos muito para fazer. Temos.

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