Faz as malas! Fugimos hoje. Para onde, ainda
não sei. Mas fugimos, e isso é certo. Não te demores. Deixa para lá as
coisinhas fúteis que costumas usar. Dás-me vontade de dizer que ainda és
pior que as mulheres. Deixa o perfume em cima da mesa,
porque o que eu quero mesmo é o cheiro da tua pele nua, e a esse nem a
fragrância mais cara do mundo consegue igualar. Não te importes com a
roupa, porque não vais precisar muito dela. Leva a do corpo e uma ou
outra camisola, que eu vou adorar vestir quando estiver a levantar-me da
cama. Qual cama? Ainda não sei qual. Mas pode ser uma duna, um pedaço
de asfalto discreto de olhares, ou se fizeres muita questão, o colchão
velho de uma pensão daquelas bem baratas e rascas, porque nem penses que
se vai gastar muito dinheiro em luxos. Não preciso de luxos porque já
te tenho a ti. Despacha-te a fazer as malas. Vamos de carro, de comboio,
de autocarro, de metro, mas por favor, vamos. O relógio já não aguenta
de tanta ansiedade e está prestes a rebentar. Bom, se formos a ver eu
também nem vou precisar dele, e tu muito menos. Deixa para lá o relógio.
Não percas tempo. Ganha-o. E comigo. Por isso é que fugimos. Vamos
deixar o tempo que os outros vivem e criar um só nosso, e consumi-lo até
que os nossos corpos e almas e corações e tudo o que mais houver
apodreçam na doçura e loucura e aventura que ele trará. Vamos. Pensando
melhor, deixa as malas. É que a única bagagem que precisas está em mim. E
a minha, em ti. Fugimos hoje?
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