abril 24, 2015

Carta A Um Anjo

Olá. Não sei se me és da guarda, ou a que legião pertences. Só sei que existes, como ser alado, etéreo, que provavelmente em tempos foi humano.

Não te conheço, somente como mensageiro de uma entidade à qual uns chamam de Deus. Terás decerto feito parte desses. E agora, ex-humano, O serves e me observas aí de cima, assistindo aos desígnios que são facultados a estes pedaços de matéria comandados de alma. Eu não fujo à regra.

Sei também que melhor do que ninguém, conheces o Amor e a Morte. Representas ambos, no fundo, isolada e simultaneamente ao mesmo tempo. O arquétipo de ti construído tanto pode atirar flechas aos corações como lanças às bestas. Prenuncias pois o começo de algo e também o seu fim. De facto, a cada Cristo o seu Judas...

Certo dia Oscar Wilde escreveu: "O mistério do amor é maior que o mistério da morte". Lá terá tido as suas razões. No fundo, a morte não é mistério nenhum... Mais cedo ou mais tarde, todos a iremos encontrar. O mesmo não se pode dizer do amor. De qualquer modo, se encontrares tal vulto da literatura por aí, diz-lhe que isto se pode equiparar, sobretudo nesta língua tão nobre que é a lusitana. Senão, repara:

AMOR
A MORTE
AMOR-TE
AMO-TE

Simples, não é? E tão aglutinado... Quase que me faz lembrar aquela frase que o caro Oscar decerto não terá escrito, mas outro alguém, certamente: "Amar-te-ei até ao fim dos meus dias".

Dá que pensar... Como sabes, anjo (só tu sabes, e sobretudo quem serves), o fim dos meus dias pode acontecer daqui a muitos anos. Ou meses. Ou amanhã. Até pode ser agora, se eu quiser. Na verdade, se Deus quiser. No entanto é engraçado constatar que, para o fim dos meus dias, basta haver um só dia; já para amar, nenhum é suficiente.

Tu presencias os dias que passam. E cada dia que passa, já se tornou ontem. Passado, portanto. Só que amar, por sua vez, "não se conjuga no passado - ou se ama para sempre, ou então aquele amor sentido não era de verdade".

Acredita que nunca esta expressão vingou tanto. Entretanto tenho o sol a bater-me nas costas e finjo que és tu que me abraças... Estarás porventura a responder-me? É que duvido que o sol me ame. O sol dá apenas luz e calor, não vai nestas filosofias.

Não te importuno mais, anjo. Foi só um desabafo. Afinal, o Amor e a Morte continuarão de mãos dadas, num infinito passeio, pisando um pavimento mundano, tornando-o aos poucos celestial. Para o bem e para o mal.

Porque afinal, ao amarmos, morre uma parte de nós mesmos para renascer na outra. Assim sendo, nos tornamos nos anjos (ou até nos diabos) uns dos outros...

Saudações!

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