Todos
nós temos as nossas memórias de infância; em forma de cores, sabores,
cheiros e sons. Lembro-me de uma, particularmente ligada ao Verão:
"ta-dum ta-dum". Era o barulho que o comboio que me levava até à praia
fazia (eu sei que é difícil exprimir um som por palavras, mas era assim
que me soava na altura, e ainda soa). E lembro-me do resto: de eu, mais a
minha família, apanharmos autocarro até à
estação do Cais do Sodré e depois o comboio da CP que percorre a linha
de Cascais. Descíamos sempre em Santo Amaro de Oeiras, em direcção à
praia, não sem antes passarmos por uma banquinha que vendia deliciosas
bolas-de-berlim repletas de creme (era da praxe comprarmos as ditas,
mesmo antes de chegar ao areal) e ainda por uma mercearia (que já não
existe actualmente) na qual nos abastecíamos com o farnel necessário
para o resto do dia (e onde não poderia faltar, a meu ver, o Bollycao e
as batatas fritas).
Lembro-me também de passar horas a fio na
água, à beira-mar, de travar amizade com outras meninas que por ali
brincavam, a fazer castelos na areia. Na hora do regresso, depois de um
grande dia, voltávamos a apanhar o comboio e, embora eu habitualmente
adormecesse, com aquela moleza típica de quem passou um dia na praia, o
som do comboio fazia-se ouvir e ecoava na minha cabeça: "ta-dum
ta-dum"... "ta-dum ta-dum"...
É uma boa recordação dos meus
tempos de criança, naquela fase em que não nos devemos importar com
nada, a não ser com os trabalhos escolares e evitar fazer asneiras para
não levar com uma repreensão.
Obviamente que agora, passados
tantos anos, coisas para me importar é coisa que não me falta. E até
mesmo esse barulho que oiço quando vejo um comboio, ou quando viajo num,
tem uma associação diferente. Principalmente, quando viajo num, e
quando esse não tem o mar imenso como destino. Torna-se num misto de
alegria, e ao mesmo tempo de tristeza. É uma partida que se transforma
em chegada e vice-versa. Quando eu era miúda, era engraçado ouvir o
"ta-dum ta-dum" do comboio porque ia para a praia, e também dava piada
ouvi-lo no regresso, já ensonada, porque embora ficasse triste por ter
de ir embora para casa, contentava-me com o facto de ter tido um bom dia
de sol e brincadeiras, e de ter à espera um belo banho, jantar e sono
reconfortantes.
Agora nesta fase em que há muitas coisas com
as quais me devo importar, longínquas dos TPC e de me manter longe de
sermões maternais, o "ta-dum ta-dum" de ida ainda me consegue arrancar
um sorriso, ao passo que o "ta-dum ta-dum" da volta me deixa com um
amargo de boca, que nem a tal suculenta bola-de-berlim veraneante me
consegue tirar. Perduram banhos, jantares e sonos, claro - mas o
reconforto é um pouco estranho. Quase que desejo ficar eternamente a
brincar na praia, gozando de um infinito Verão, e de só querer que fique
registado o "ta-dum ta-dum" da ida, a ecoar na minha cabeça. Porque
fico sem grande vontade de voltar. Ir e voltar, ir e voltar, ir e
voltar, nesta fase, é uma chatice. Quando a única coisa que me importa é
ficar.